Baseado num livro de mesmo nome, “The Last King of Scotland” conta a história de um ditador cruel como a maioria, porém apagado pela sombra das figuras mais famosas de Hitler, Mussolini e Pol Pot. Mesmo assim, a barbárie de seu mandato não foi pouca, resultando em dezenas de milhares de mortes de ugandenses — número que varia entre 80 e 300 mil. Esses eventos são recontados aqui da forma como eles merecem ser vistos, negativamente, mas não sem mostrar um pouco do lado sedutor e divertido do poder; como um indivíduo pode acabar virando a cara para os horrores quando ele está de barriga cheia e bem vestido.
Nicholas Garrigan (James McAvoy) é um médico recém-formado, mas que não está tão empolgado com a perspectiva de ser um médico de família. Num ato de impulsividade, ele decide viajar a um país qualquer para viver uma aventura e fazer a diferença enquanto se diverte um pouco. Esse lugar é Uganda, onde o rapaz trata uma população que acredita mais em curandeiros que em médicos. Numa visita, ele conhece o novo presidente Idi Amin (Forest Whitaker) e se torna seu médico pessoal, aproveitando o luxo esbanjado por poucos até que a verdadeira natureza do presidente revela ser a de um tirano.
Quem ler o título e a sinopse deste filme pode ficar um pouco confuso. Como uma história sobre um tirano em Uganda tem o nome “O Último Rei da Escócia”? Algo desse tipo só pode vir de uma confusão de países ou de uma mente muito perturbada. Aqui o segundo caso é com certeza o mais apropriado. Idi Amin costumava dar títulos rebuscados a si mesmo em seus delírios de poder. Ele gostava muito da Escócia, então fazia todo o sentido para ele se intitular Rei da Escócia. Não é um personagem tão fácil de retratar, uma pessoa tão imprevisível que as pessoas ao seu redor têm de se acostumar às mudanças súbitas de humor ou opinião. Seja amigo dele e prepare-se para uma dor de cabeça, seja inimigo e veja quanto tempo isso dura. É uma mistura complexa de emoções e comportamentos inesperados, mas Forest Whitaker se mostrou mais que à altura de interpretar.
É difícil imaginar que ele é o mesmo ator do ridiculamente ruim “Battlefield Earth“. Nesse Sci-Fi, ele era um mero alienígena incompetente que falhava em saciar sua ambição por ser estúpido demais. Em “The Last King of Scotland”, por outro lado, ele é uma figura quase inteiramente responsável pelo sucesso da obra. Como interpretar a loucura? É um termo vago, sim, mas nem por isso deixa de ser uma qualidade difícil de ser retratada. Existe o louco psicopata, a ex-namorada louca, o louco esquizofrênico e aquele que está no meio da sociedade sem que ninguém suspeite. Idi Amin é um destes. Forest Whitaker captura perfeitamente como um homem pode ser tão para lá quanto para cá, seu melhor amigo num momento e o pior presidente da história em outro. No começo, ele dá os discursos apaixonantes de alguém que realmente acredita no que faz e ama seu país, que olha nos olhos de seu povo com a mais pura simpatia, acena para os camponeses que o apoiam com um grande sorriso. No entanto, a única pessoa que se engana nessa história é o protagonista. É seu ponto de vista que é acompanhado e são suas experiências as responsáveis por introduzir aquela loucura. O que passa por seus olhos é o que a audiência vê, mas não dá para dizer que os dois acreditam nas mesmas coisas.
Palavras de amizade só podem seduzir até certo ponto. Como acreditar num homem que clama pelo progresso de sua nação quando este paga ternos caros e carros conversíveis para seu empregado? Poderia até dizer que a queda de Amin na loucura é progressiva, mas não dá. “The Last King of Scotland” tem um propósito bem claro: mostrar quem aquele homem realmente foi; um oportunista vestido de messias. Mesmo que ninguém se engane com a verdadeira índole do ditador, é interessante ver como ela se manifesta. Por um bom tempo resta apenas a suspeita e a tensão, então numa fração de segundo o ditador não é mais o mesmo. Desta primeira revelação começa uma interessante gangorra de entonações, na qual Whitaker e o filme em si têm seus melhores momentos.
Para falar a verdade, o Dr. Garrigan e sua história nem são tão intrigantes assim — não é à toa que ele é um personagem fictício inserido na história real do ditador. É a inesperada dualidade de Idi Amin que governa a vida do protagonista, a história e o ritmo deste filme. “The Last King of Scotland” brinca com sua audiência. Uma festa de verão regada a bebidas e mulheres não mostra nenhum indício de desastre até a hora que este chega e dá um desagradável choque de realidade. É um jogo de curtir uma Mercedes conversível, salvar o presidente e ainda ser punido logo depois por um motivo imbecil. O foco não é limitado a jornada de Garrigan, como “Argo“, por exemplo. Com uma conclusão mais ou menos previsível, não depender do destino do protagonista é uma decisão que mostra como o resto do filme tem substância. Quanto a isso, não tem como criticar. Um bom trabalho é feito tanto na interpretação desse singular ditador como no roteiro, que deixa a verdade explícita do começo ao fim e ainda consegue manipular o espectador o bastante para quebrar os momentos de luxo com as peculiaridades daquela situação. Atuação e roteiro caminham juntos, ambos conduzidos pela imprevisibilidade de um louco.
“The Last King of Scotland” mostrou-se como uma boa surpresa ao entregar não só uma interpretação exímia de Forest Whitaker, a qual já era esperada, como também um filme cheio de reviravoltas bem executadas. A audiência nunca se deixa enganar ou cair nos charmes de Idi Amin. Parte da genialidade dessa história e da atuação de Whitaker é ser convincente ao mostrar uma pessoal agradável por fora, mas que no fundo não esconde completamente a natureza opressora dentro de si. Definitivamente é um retrato que que vale a pensa ser visto.