Filmes sobre cachorros não estão em alta atualmente ou, melhor dizendo, nunca houve um período de muita popularidade. Apesar disso, vários longas com o melhor amigo do homem no holofote saíram ao longo dos anos; de Lassie a Marley sempre houve um espaço, por menor que seja, para os bichos. “Wiener-Dog” é sobre cachorros também, mas pode enganar muita gente. A publicidade o pinta como uma comédia, um filme leve sobre um dachshund que muda a vida de seus donos. Pois bem, não é isso que acontece. Os tons pastel e um salsichinha no pôster são apenas fachada para uma história mórbida e deprimida.
O longa começa com um dachshund — o tal cachorro salsicha do título — sendo enviado para um canil de adoção. Lá ele fica confinado numa pequena gaiola de vidro, mas quando uma família o adota sua situação muda… para uma gaiola de metal ainda menor. Esta é a história de uma cachorra que passa de um dono esquisito, disfuncional e inadequado para outro. Um deles não gosta de cachorros, outro é depressivo e todos fazem o animal sentir na pele os reveses de suas vidas problemáticas.
Sem entrar em méritos de qualidade, “Wiener-Dog” consegue ser controverso pelas razões já citadas e por outras: muitos foram atraídos pelos visuais delicados achando que veriam uma típica história de cachorro. Talvez tenha sido uma piada de mau gosto, talvez um marketing mal planejado no estilo de “Esquadrão Suicida” ou uma armadilha para vender ingressos. Não importa muito, ao menos não para os amantes de cães que ficaram entediados, confusos e até revoltados com essa obra. A fonte dos problemas aqui não é ser diferente do que alguns esperavam, ter essa entonação pesada, o que mata a experiência é a falta de fluidez entre essa série de segmentos, cada um com sua visão cinicamente pessimista da vida. Claro, a cachorra até se esforça para melhorar as coisas, mas ela infelizmente não pode fazer muito mais que ficar deitada e ser totalmente adorável.
O principal argumento dos defensores de “Wiener-Dog” é usar o nome do diretor Todd Solondz. De acordo com eles, o diretor sempre teve uma visão mais para lá do que pra cá da vida e que esse caso não é diferente; não é um cachorro que vai fazer a história ser feliz. Certamente é um argumento sensato se a questão for um conflito de expectativa, enquanto que, para mim, citar um nome até pouco tempo atrás desconhecido não faz muita diferença. Solondz é um pessimista reconhecido e, por mais que ele possa não ser o melhor parceiro para uma conversa casual, não há defeito nisso; pelo contrário, a arte pode ser o fruto de uma grande frustração ou indignação. “Leaving Las Vegas” mostra bem como a negatividade pode ser interessante, sendo o filme mais abatido de todos os tempos para mim. Mesmo assim, falo de um filme, o que não impede que Todd Solondz merecidamente pegue o posto de diretor mais pra baixo, mesmo sem conhecer o resto de seu trabalho. Se as outras pessoas estiverem certas, essa entonação é universal.
Dessa proposta melancólica, alguns acertos mostram presença. Solondz não é um diretor que simplesmente tem uma visão ou um filtro que aplica no mundo sem muito propósito, ele sabe como ser cínico diante de certos dilemas humanos sem forçar a barra. Numa cena, por exemplo, um casal anda de kombi com o horizonte americano do Ohio servindo de palco; é uma viagem daquelas de sair a dois só com as roupas do corpo e um espírito livre. Seria muito romântico se não fosse lamentável e, mesmo assim, não deixaria de ser um clichê gigantesco. O cineasta sabe muito bem disso e adota a postura satírica de alguém que ri escondido, ele tira sarro e não expõe do que está rindo, mas deixa bem claro o que é para quem está vendo o mesmo que ele. Seja na música ou nas atuações, fica claro que aquela cena supostamente poética é um grande escárnio sobre a natureza humana.
A história é composta por quatro partes diferentes, cada uma focando em donos novos da cadelinha e nas falhas de cada um. Se me perguntarem, não recomendaria formatar um longa-metragem em quatro pedaços tão separados, pois sempre há a chance de tudo ficar desconexo. Não é a diversidade de narrativas que questiono, pois quase todo filme tem mais de um arco acontecendo ao mesmo tempo; é a falta de um sentimento de fluidez que me incomoda.”Wiener-Dog” evita esta desconexão para sofrer do mesmo problema que tentou evitar, em outras palavras, o caminho é diferente e o resultado é o mesmo. Em vez de apresentar quatro trechos tão diferentes que não se ligam, Solondz faz a mesma coisa em todas elas: une elas com os mesmos recursos, sua visão daquelas pessoas imperfeitas e, claro, o cachorro. Entretanto, nada disso parece suficiente. A crueldade daqueles donos contra uma criatura tão passiva e dócil estabelece um ponto de vista que já é claro na primeira história; a segunda, terceira e quarta trocam atores e personagens e ainda assim pecam por baterem na mesma tecla vez após vez. A fluidez se perde na constância; detalhes mudam enquanto o argumento permanece o mesmo: mostrar o ser humano como um mar de espinhos sem rosa.
Não vou chegar ao ponto de falar que elas são ruins. Isoladamente elas têm muitos pontos fortes, juntas parecem várias versões da mesma coisa. Depois de uma experiência mediana, muitos encontraram o maior choque no final e neste ponto não tenho como tirar a razão deles. Amante dos animais ou não, é uma cena bem gratuita que não faz muito para compensar alguns dos deslizes de antes ou, ao menos, para concluir aquele apanhado de idéias. O grande pecado de “Wiener-Dog” é ser tão insistente em transmitir um ponto de vista que conta a mesma história quatro vezes de pontos de vista diferentes, como quem acha que convencerá o espectador se mudar um detalhe aqui e ali.