Mais de uma vez comentei que “Love“, de Gaspar Noé, era um filme polêmico, que só peca por tentar ser radical demais em alguns momentos. Bem, depois de “A Serbian Film” Noé oficialmente caiu um pouco na escala da controvérsia. Para alguns suas cenas de sexo explícito e de estupro foram atentados contra a tradição cinematográfica, mas acho que nem mesmo uma ejaculação em direção à câmera está no nível deste longa-metragem, que pode ser considerado como o exemplo mais direto ao ponto do cinema de choque. Infelizmente este é também o único motivo pelo qual eu o recomendaria, isto é, se eu fosse recomendá-lo a alguém.
O título pouco explicativo sugere com razão uma obra que não tem muito o que dizer, porém existe história o bastante para render uma premissa. Milos (Srdjan Todorovic) é o mais improvável ator pornô de todos os tempos. Onde seu visual de motorista de caminhão falha, ele compensa com vigor na hora do sexo. Agora aposentado, ele se entrega à bebida na expectativa de reduzir seu apetite sexual, porém essa postura não paga as contas e logo ele se encontra no mercado novamente. A diferença é que agora ele faz um suposto filme arte, na verdade um festival de perversão e atrocidades.
Até aqui não há nada de extraordinário. “A Serbian Film” realmente começa de modo que não deixa a tal controvérsia imediatamente visível, mostrando apenas uma ou duas cenas de sexo que dificilmente irão deixar alguém indignado. Então as coisas começam a piorar. Uns amassos mais quentes logo se tornam violentos, uma mulher machucada é estapeada ainda mais enquanto faz sexo oral no protagonista. Nada que não piore muito mais. No site eu evito ao máximo spoilers, mas seria leviano falar sobre um filme raso como esse só dizendo que ele é profano. Profano não chega nem perto de descrever algumas das barbaridades vistas aqui. Sendo assim, aviso que falarei um pouco de cenas específicas para não estragar nada para ninguém; embora minha vontade seja fazer com que menos gente se interesse por esta obra. Por não se apoiar em convenções de gênero, dificilmente pode-se ser categorizar “A Serbian Film” precisamente, só fica que claro que seu propósito é chocar quem assiste. E isso ele consegue fazer muito bem. Se por um lado os temas polêmicos ajudam muito nesse sentido, deve-se levar em conta também que nem todo filme dá um tapa na cara como esse. Claro que um tapa não é exatamente uma coisa boa, mas já cria assunto para comentar com os outros.
De resto, não há nada em “A Serbian Film” que seja minimamente aproveitável, tudo parece, inicialmente, uma grande montagem com significado por trás de tanta selvageria. Enquanto a procura desse significado é sustentada pelo suspense — ou melhor, pela suposição diante da falta de informação — as coisas ainda se aguentam em pé. Eu achei que tudo era uma grande crítica ao mercado cinematográfico da Sérvia, que na minha suposição era dominado pela pornografia; achei que essa era uma afronta direta, considerando que a trama trata justamente do conflito entre arte e pornografia. Bobo fui eu de pensar que essa poderia ser a mensagem do diretor para o mundo, quando, na verdade, ele apenas estava revoltado com o governo Sérvio. O cineasta achava que ele era muito opressor, então decidiu que seria uma boa idéia levantar uma bandeira de oposição com pedofilia, necrofilia, estupro e violência explícita.
Um ditado comum entre roteiristas diz que uma maneira de fazer a audiência se importar é ameaçar matar o gatinho; colocar em perigo algo que toque o coração do público gera engajamento. “A Serbian Film” não só ameaça o gatinho, como chuta, estupra, mata e depois o estupra novamente só porque pode. Francamente, apontei o choque como um leve ponto positivo, mas no fim ele é apenas isso: um choque gratuito, sem propósito. Sendo o roteiro inteiro estruturado na dinâmica de aumentar o nível de profanidade progressivamente, é apenas frustrante quando nada disso mostra algum fruto satisfatório. Começa com umas cenas de sexo explícito, depois uma mulher faz sexo oral no protagonista enquanto uma criança chupa um picolé em outra tela, então aparecem as cenas de pedofilia, necrofilia, violência sexual e estupro coletivo. As apostas ficam mais altas com cada obscenidade mostrada e o espectador, enquanto isso, aguarda por uma justificativa proporcionalmente palpável para tudo aquilo. Não me surpreende que isso não aconteça nunca. Chega certo ponto que fica impossível explicar por que algo como um recém nascido estuprado é mostrado. Talvez se o argumento, a mensagem subliminar por trás de tudo, fosse realmente sólida haveria então uma chance de sustentar essas cenas hediondas, mas é evidente que o foco era apenas chocar, enojar e impressionar o espectador. Para a infelicidade do diretor, o sucesso de tal proposta é limitado, especialmente neste caso em que emoção vira indignação e logo desgosto.
Não sei se esperava que o resultado fosse ser muito melhor do que isso, afinal quão boa uma recomendação de filme doentio pode ser? Se “A Serbian Film” tem algum valor, é só pela conversa que ele rende depois que tudo acaba. O resto não passa de reflexos de uma mente perturbada, que acha que violência sexual é um ótimo valor a ser usado na luta contra um governo opressor. A única coisa provada aqui é que algumas coisas realmente merecem a censura que sofrem, vide os diversos banimentos ao redor do mundo.