Muitos provavelmente ouviram falar alguma vez daqueles cinemas que só têm filmes eróticos na programação. Se a curiosidade por um lugar destes existiu desacompanhada de coragem, este filme faz um bom trabalho em proporcionar uma experiência similar em um cinema comum. Nudez tão explícita quanto em um pornô e cenas de sexo frequentes podem ser apenas o chamariz inicial desta obra, e talvez para alguns a atração principal, mas por trás da genitália alheia existe uma obra com profundidade e significado.
Gaspar Noé é um cineasta famoso quase exclusivamente por sua abordagem crua e áspera da realidade, seja ela o estupro em “Irréversible” ou o amor em “Love”. Sua postura agressiva é frequentemente apontada como o principal defeito pelos críticos de seu trabalho, o que pode até ter certo fundamento se pensarmos mais abertamente. Mas de que maneira pode-se representar um sentimento tão puro quanto o amor em termos ditos bárbaros? Indo direto ao ponto central da própria concepção da vida, o ponto mais carnal de todo o processo: a relação sexual. Há quem diga que um relacionamento entre duas pessoas é muito mais do que o ato sexual, mas não pode-se negar sua importância. Sua repercussão é tanta que algumas religiões proíbem que o ato seja consumado antes do matrimônio, enquanto outros grupos mais liberais pregam o amor livre. Seja em função acessória de um envolvimento emocional ou como o objetivo principal do mesmo, o sexo é importante o bastante para que seu uso seja válido para representar as várias facetas do amor. Não vem como surpresa que o título do filme seja apenas “Love”, pois, essencialmente, este é o assunto principal da obra.
No primeiro dia do ano, Murphy (Karl Glusman) recebe uma ligação da mãe de Electra (Aomi Muyock), uma ex-namorada sua. Sem saber do que a chamada se trata, ele deixa a ligação cair na caixa postal. Mais tarde, ele retorna o contato e descobre que ela procura por notícias de sua filha, desaparecida há 2 meses. Inesperadamente preso em uma viagem de nostalgia, Murphy passa a relembrar diversos momentos de sua relação passada: os altos, os baixos, as brigas e as reconciliações. A prisão de um relacionamento infeliz logo torna a nostalgia em reflexão, levando o rapaz a constantemente comparar sua situação atual com as fortes paixões do amor que ele nunca superou.
O que pode parecer uma clichê história de amor perdido, na verdade, pode surpreender o espectador desavisado. O longa começa com um casal pelado na cama, a moça masturba o rapaz e ele faz o mesmo com ela. Em outras mãos esta cena poderia ter sido representada de mil maneiras diferentes, mas aqui vemos claramente o pênis ereto do rapaz e as partes íntimas da mulher. Não há computação gráfica, sutilezas ou uma apresentação com significados implícitos, apenas longos minutos de sexualidade explícita e gratuita. Apesar deste começo, por boa parte do filme o ato sexual é aplicado de forma que não pareça uma simples afronta aos modelos cinematográficos tradicionais, sendo um meio de transmissão concreta dos sentimentos daquelas pessoas. A representação gráfica não afeta a semântica, pelo contrário, contribui e muito para a transmissão de um ponto de vista único sobre o sentimentalismo entre duas pessoas. Analisando o vai e vem de brigas estéricas e declarações sinceras, não é duvidoso ou forçado que após uma noite de maus humores o casal faça sexo nas escadas do prédio. Ou eventualmente uma orgia com uma menor de idade. Não há limites para o diretor e, para mim, esta honestidade e coragem em representar o amor é o que faz valer a experiência.
Em certos momentos, infelizmente, esta honestidade dá lugar a uma presunção por parte do diretor, consequentemente dando mais munição àqueles que caracterizam o trabalho de Noé como um sensacionalismo infame. O formato do longa-metragem em 3D é uma desnecessária adição, apenas escurecendo a imagem e fazendo que alguns detalhes da fotografia se percam. Mesmo com as limitações do tipo de filme, imagino que o efeito poderia ter sido muito melhor usado que em uma cena onde dão um incrível senso de percepção a uma ejaculação em direção a câmera. De todas as coisas que esperava ver em uma sala de cinema, esperma tridimensional com certeza nunca foi uma delas. Esses são os momentos em que se vai longe demais, a experiência passa de agressiva e primitiva para algo pretensioso; como se o diretor quisesse dizer a todos o quão profano e radical ele é.
Existem também as auto referências ao longo da obra, que em vez de dar um toque biográfico ou mais profundo acabam sendo apenas rasas. Em certo momento, por exemplo, o protagonista está em uma conversa sobre amor e sexo, as coisas ditas mais importantes da vida. A conclusão atingida é que deviam fazer um filme sobre o assunto; fato curioso considerando que o assunto da obra é exatamente este, o personagem é cineasta, seu filho se chama Gaspar e o ex-namorado de Electra se chama Noé. Apesar destes e outros deslizes, como o filme se arrastar perto do começo, a obra de Gaspar Noé permanece como um grande trabalho sobre o amor, um que possivelmente permanecerá como uma abordagem singular do sentimento por muito tempo.