“Café Society” tinha várias promessas e novidades por trás dos panos. Mais do que o quadragésimo sétimo filme da carreira de Woody Allen, que desde 1982 tem lançado pelo menos um longa por ano, esta é a primeira aventura — ou desventura — do diretor com uma câmera digital. Esta é também uma oportunidade interessante para dois atores que não estão exatamente bem nos olhos do público: Jesse Eisenberg, recentemente criticado por seu Lex Luthor em “Batman v Superman“; e Kristen Stewart, que parece não conseguir sair da sombra da série “Crepúsculo”. Poderia também ser uma oportunidade de surpreender com essas promessas, mas as coisas dificilmente são tão felizes.
Nos anos 30, um poderoso executivo de Hollywood recebe a notícia de que seu sobrinho vem de Nova York em busca de trabalho; Bobby (Jesse Eisenberg) viaja com pressa quando ouve falar das mulheres, dos filmes e do dinheiro na costa oeste, falando com seu tio Phil (Steve Carell) para conseguir um emprego em seu escritório. Lá ele conhece a bela Vonnie (Kristen Stewart) e se apaixona quase imediatamente por sua pobreza sincera em meio a tantas fortunas fúteis. Ela é tudo que um rapaz simples pode querer, mas conflitos de interesse podem complicar esse romance perfeito.
Com 50 anos de carreira, algumas coisas são feitas quase sem esforço por Woody Allen. Isso se torna bem claro quando um conceito simples como o de “Café Society” consegue ser expandido a um longa metragem cheio de ramificações. Ele simplesmente não se encaixa num gênero só: é um Romance irônico com toques de comédia escondendo o drama e a tragédia sob a superfície. Num geral, é uma forma sarcástica de enxergar a vida naquela época, uma obra que fala sobre um assunto e depois reforça isso reproduzindo as idéias subliminarmente nos eventos da história. Pequenas nuances revelam um roteiro sofisticado, ainda que imperfeito, de um cineasta que tem segurança do que faz.
Ao contrário de “Hail, Caesar!“, por exemplo, nenhuma das inúmeras referências é gratuita ou está ali apenas para proclamar que a trama se passa nos anos 30. Também não é nenhuma caça ao tesouro dos filmes de super-herói, na qual alguns espectadores batem ego contra ego para ver quem pegou mais referências a quadrinhos famosos. Em “Café Society” a exagerada menção de nomes famosos e filmes chama a atenção quase imediatamente; o espectador para e pensa em qual a possível razão de tudo aquilo, logo se tocando que nada mais é do que um reflexo da sociedade do título. Não ouve-se o nome de Joan Crawford ou de Barbara Stanwyck gratuitamente, as pessoas falam tanto nelas porque esta é uma sociedade de gente que cita nomes famosos para se sentir mais importante; seus pontos fortes são tão superficiais que se limitam aos feitos dos outros. São pessoas que usam coquetéis e restaurantes caros para se mostrar ao mundo, demonstrações ambulantes de futilidade alimentadas por muito dinheiro. Indo além, Allen apresenta uma jogada interessante com um suposto contraponto a este glamour brando; em Nova York encontra-se a tradicional família judia, os parentes que mantém viva a família com jantares ocasionais. Quando a crítica parece estar bem direcionada às celebridades de Hollywood Allen entrega uma surpresa: costa oeste ou costa leste, todos são fúteis. A diferença é que uns se escondem em ternos caros, outros em jantares de domingo à noite e religião.
O único descuido está na parte da história que realmente importa, o romance entre um rapaz ingênuo e uma garota esperta com algumas coisas a esconder. Vendo tudo numa primeira rodada não sugere que haja algo errado. O espectador permanece na expectativa de ver como tudo vai se desenrolar. No entanto, o final escolhido por Woody Allen estraga um pouco o que foi visto até então por se basear muito na nostalgia hipotética do “E se…”. Centrar-se tanto nessa parte deixa uma parte do roteiro parecendo um pouco desnecessária, invalidando parte de seus sucessos por eles não serem tão relevantes lá na frente. Se o final era tão centrado no impacto de decisões importantes, talvez fosse mais interessante investir tempo no conflito em torno dessa decisão, algo que mostre — em vez de apenas dizer — como a tal decisão foi difícil. O que se tem é o antes e o depois, com um pouco do talvez revelando a falta que uma transição entre esses dois momentos faz.
Devo dizer que fiquei curioso para ver como a tecnologia de uma câmera digital faria a diferença num filme de Allen. Estranhamente, fiquei sem entender por que ele achou que dirigir uma história de época seria uma boa idéia para esta estréia. O celuloide, por mais avançado que possa ser, possui um pouco de imperfeição em sua imagem, algo tão sutil que é quase subjetivo. Sendo assim, faria todo o sentido que uma história dos Anos 30 seguisse o mesmo caminho. Filmes antigos e a imagem granulada estão muito ligados, “Café Society”, por sua vez, tem os mínimos detalhes à mostra em imagens obsessivamente limpas e nítidas. Não é uma questão de falta de competência ou algo que prejudica a obra — até porque há talento de sobra em Vitor Storaro, o fotógrafo — mas não deixa de ser uma decisão controversa. O mesmo pode ser dito da atuação de Kristen Stewart, que, diferente do ótimo Jesse Eisenberg, não atua mal, só não desce tão naturalmente. Sua personagem na série “Crepúsculo” diz o contrário, ao passo que outros trabalhos seus mostraram que ela não é desprovida de talento. Mesmo assim, por melhor que sua performance seja não consigo tirar da cabeça que ela preferiria estar em qualquer outro lugar, que seu sonho era ser cantora em vez de atriz e que atuar é mais um fardo do que uma aventura. Não é exatamente o conjunto de qualidades elogiadas numa atriz de alto nível.
“Café Society” é o trabalho de um diretor com tanta experiência que entrega bons resultados até quando a obra tem defeitos explícitos. Sem as diversas nuances do roteiro — que não poupa críticas ao passado frequentemente romantizado — este seria apenas um longa-metragem que se perdeu um pouco no meio do caminho. Felizmente, há também um elenco forte para tornar as coisas mais interessantes, assim como uma estética fina que traz sua própria carga de sutilezas, mesmo que todos tenham seus defeitos. Kristen Stewart pode não se sair tão bem assim, porém é sempre bom vê-la no mesmo foco suave que um dia filmou Greta Garbo.