Com “Battlestar Galactica”, “Fringe” e seis séries diferentes de Star Trek por aí, um seriado de 1994 como “Babylon 5” acaba ficando um pouco perdido. Mesmo não sendo tão popular hoje quanto outras obras do gênero, o seriado criado por J. Michael Straczynski rendeu 5 temporadas, 7 filmes e 1 spin-off, além de ter uma boa reputação com a crítica e os fãs. Se popularidade dependesse exclusivamente de qualidade, esta ficção científica certamente seria muito mais conhecida hoje. Infelizmente, depois que a história principal foi concluída o universo não se expandiu como aconteceu com “Star Trek”. Tentaram dar continuidade com “Crusade”, um spin-off, mas uma série de decisões infelizes matou a proposta na primeira temporada ainda. Em 2002, tentaram novamente com “The Legend of Rangers” para um fracasso ainda maior. No entanto, o legado original permanece fiel aos elogios distribuídos ao longo dos anos.
A história começa com o que é mostrado em “Babylon 5: The Gathering“, afinal de contas este filme é o piloto da série. No Século 23, a humanidade já é considerada uma raça exploradora do espaço. Desde que começou a conhecer a imensidão do universo, ela encontrou raças como os Narn, os Centauri, os Drazi e os Minbari, cada uma com suas ambições, segredos e qualidades. A Terra é governada pela Aliança da Terra — ou Earth Alliance — e possui várias colônias espaço afora, como em Marte. Uma de suas maiores conquistas, contudo, é a construção de Babylon 5: uma enorme estação espacial com um pouco de cada canto da galáxia. Além de representantes das várias raças, chamados embaixadores, o lugar atrai todo tipo de gente. Há aqueles que só estão de passagem, os que vem para acertar questões políticas, os que procuram novas oportunidades e aqueles que trazem encrenca consigo. Após o fracasso de quatro estações similares, a Aliança da Terra arrisca uma nova construção com a mesma missão de antes: oferecer a melhor esperança por paz.
Mas como é dito por um personagem: “A estrada para o inferno é pavimentada com boas intenções”. As nações vivem se bicando por todos e por nenhum motivo. Uma hora as naves de alguém são saqueadas, em outro momento alguém é assassinado e o primeiro acusado é sempre o vizinho. Até mesmo a Terra já entrou em uma enrascada homérica quando uma guerra contra os Minbari quase trouxe a extinção mais cedo. Eventualmente as coisas se acalmam e o projeto Babylon segue em frente. Antes de qualquer coisa, um aspecto importante para se levar em consideração é que o seriado foi pioneiro em diversos sentidos para a televisão. Ser de qualidade não é a única característica definitiva de “Babylon 5”. Dentre alguns objetivos de J. Michael Straczynski com este trabalho, criar boa ficção científica sem deixar a desejar como seriado pode ser considerado o principal, uma vez que, de acordo com ele, raramente os dois se encontravam. Na prática, não foi qualidade, mas planejamento que se mostrou a palavra que define este trabalho. Straczynski preparou tudo como um grande romance para a televisão, uma história com começo, meio e fim. Pode parecer banal hoje em dia, porém a idéia de um formato fragmentado como a TV servir um propósito maior, um enredo grande, não era tão óbvia naquela época. Para evitar imprevistos — leia-se cancelamentos — essa trama toda foi ambientada num local controlado e planejada dos pés a cabeça. O resultado foi uma estação espacial, que reúne vários eventos num lugar só, e uma produção que mantinha gastos controlados sempre.
Em vez de explorar o espaço afora, trazem a galáxia inteira para um lugar só. Claro, a experiência torna-se um pouco limitada em termos de descoberta e exploração de novos horizontes, porém a idéia principal nunca foi explorar aventuras e emoções como “Star Wars” ou dar um verdadeiro tour planetário da fauna e flora, como em “Avatar”. O compromisso era para com a história, o que, na prática, significa desenvolver personagens. Como esperado, o grande plano já tinha isso em mente quando escolheu um elenco orientado pela diversidade, cada personagem com seu próprio destino escrito pelo criador e também roteirista de 92 dos 110 episódios — o que também era novidade. Londo Mollari (Peter Jurasik) é o embaixador dos Centauri, um verdadeiro fanfarrão em todos os sentidos. Ele fala alto, distribuindo seu forte sotaque aos ouvidos de quem estiver próximo, bebe o tempo todo e frequentemente mostra ser o habitante mais teimoso da estação. Sua maior rixa é com G’Kar (Andreas Katsulas), o embaixador Narn cuja raça já foi escravizada pelos Centauri. Sempre procurando motivos para alfinetarem-se, os dois escondem em si toda a inquietação de povos orgulhosos: de um lado os escravizados que querem dar o troco, de outro os escravistas que perderam seus escravos diante dos olhos da galáxia. Se o conflito parece interessante, então coloque na jogada: outras nações, como os Minbari e sua filosofia do equilíbrio entre os pilares da sociedade; conflitos internos entre membros de uma mesma raça, tal e qual a luta por independência de Marte contra a Terra; atritos menores com encrenqueiros alheios que aparecem; e, claro, conflitos do indivíduo com ele mesmo.
Com todas as inovações e revoluções de “Babylon 5”, não foi nenhuma delas que fizeram a diferença, pois, como dito, muitas dessas novidades são quase mandamentos na televisão moderna. Tudo bem, estruturar uma história tendo mais que o episódio em mente é comum, mas nem tudo que é feito nesse molde é bom. Acima de tudo, fica bem claro que o criador compreende muito bem os princípios de uma boa história. Londo e G’Kar são, muito provavelmente, os melhores exemplos de como a lógica do roteiro funciona. Por si, considerando apenas personalidade e caracterização, ambos são personagens legais que vez ou outra rendem boas risadas com seus comportamentos bizarros. O Narn, por exemplo, começa como um indivíduo obcecado pelo progresso de seu povo. Para compensar a falta de telepatas em sua raça ele tenta comprar abertamente o corpo de uma telepata da estação; a proposta era uma boa quantia de dinheiro em troca de ela deixar cientistas trabalharem com seu material genético. O espanto da telepata diante de tal pedido já tira um sorriso de simpatia do espectador, só que num escopo de 110 episódios isso não é nada, nem mesmo se houvesse uma cena do tipo por capítulo. É quando o fim se aproxima que o desenvolvimento competente mostra seu lado forte, tal como um pequeno pico de ambição na segunda temporada ter uma consequência catastrófica na quarta e até mudar a realidade de um personagem para além do fim da história. Não poderia ficar mais evidente que nos últimos episódios, quando as pontas soltas são amarradas e o espectador é presenteado com um final espetacular em todos os sentidos.
Nos seus melhores momentos, fica realmente complicado ver como tão pouca gente fala desta série — a maior referência até agora foi “Big Bang Theory”. Contudo, a proposta de dar a cada episódio a responsabilidade de construir um pouco a história não funciona de forma tão fluída como hoje. A primeira temporada e parte da segunda, por exemplo, ainda são fortemente orientadas pelo formato “caso da semana”, ou seja, uma nova aventura começa e termina num mesmo episódio. Nesse ponto “Babylon 5” deixa a desejar um pouco por conta de uma limitação do próprio J. Michael Straczynski. Como os próprios filmes mostram, o roteirista não se sai tão bem na hora de criar uma história de escopo pequeno, algo que se conclua em pouco tempo. Claro, dizer que é um caso de incompetência é um grande exagero, embora fique bem claro que o forte de Straczynski seja melhor visto na forma como ele desenvolve progressivamente tensões políticas misturadas com conflitos pessoais e outros elementos. Na primeira temporada ainda é aceitável, de certa forma, porque um universo inteiro está sendo introduzido. Ninguém sabe quem diabos é Delenn (Mira Furlan) ou o que é aquela coroa esquisita em sua cabeça, da mesma forma que a dinâmica caótica da estação não é clara imediatamente. Uma aventura mostra o esquadrão de caças em ação, outra conta um pouco sobre quem é Michael Garibaldi (Jerry Doyle), o desconfiado chefe de segurança. Eventualmente esse formato deixa de ser regra quando um dos arcos longos começa a se formar, porém sua sombra permanece. O seriado demora um pouco até se dedicar totalmente à trama que realmente interessa e isso acaba um pouco com a fluidez da narrativa, que mesmo nos melhores momentos mostra que depende da aventura individual para seguir em frente. Talvez o problema não seja tanto salpicar a história em várias tramas menores, e sim os esforços de Straczynski na hora de escrever arcos menores. Difícil dizer exatamente, pode ser um deles ou os dois. De qualquer forma, acredito que ter aventuras melhor escritas não machucaria a proposta de criar um romance para televisão.
O maior problema de “Babylon 5” é um tanto relativo, na verdade. Para alguns pode ser um motivo para nunca assistir, para outros apenas um detalhe. O fato é que este não é um seriado novo, ele foi lançado em 1994 e é tão Anos 90 que sua introdução nem precisa de uma versão Anos 90 no YouTube; basta procurar um pouco para entender melhor o que estou falando. Isso dificilmente incomodará alguém, entretanto. O que pode realmente ser um problema é a parte visual desta série. Ser pioneira no uso de computação gráfica na televisão e ganhar um Emmy por efeitos especiais não ajudam nem um pouco na hora de encarar esta história hoje. Infelizmente, a tecnologia envolvendo CGI evoluiu muito rápido, deixando muitas obras que eram bonitas em seu tempo parecendo trabalhos de amadores com um Pentium IV. Para quem se incomoda com a estética das imagens isso será um problema grande, uma vez que cenas em planetas alienígenas e batalhas espaciais são todas feitas em computação gráfica. E não, realmente não tem como considerar as animações belas hoje, é puramente uma questão de tolerância. Pelo menos a compreensão do que acontece nessas sequências não é prejudicada nunca, mesmo que faça os olhos arderem. Infelizmente, perspectivas de uma remasterização estão fora de questão. É uma longa história, então digo apenas que novamente várias decisões infelizes da produção e dos estúdios complicaram tudo. Pelo menos a fotografia foi toda feita com as televisões de alta definição em mente. Para quem não gosta da imagem quadradinha em 4:3, o formato de tela em 16:9 talvez amenize a situação um pouco, mesmo que a resolução continue baixa.
Em comparação com produções modernas, esta obra pode parecer um pouco ultrapassada. O orçamento de todas as cinco temporadas juntas ficou em torno de U$90 milhões, uma fortuna que não financia duas temporadas de “Game of Thrones”. Para uma produção da época, os custos de “Babylon 5” estavam mais ou menos na mesma média de outros seriados — como “Arquivo X” e “Star Trek: Deep Space Nine”. Hoje em dia, porém, as limitações de orçamento ficam um pouco mais claras, embora nunca atrapalhem a experiência. Por exemplo, nunca tentam fazer um mesmo set se passar por dois lugares diferentes; em vez disso os roteiros são escritos já tendo em mente os recursos disponíveis. Como dito, o foco está em atores, personagens e história, não em mostrar todos os cenários com os materiais mais caros. Não se aventuram a fazer o impossível, a proposta é fazer o melhor com o que se tem em mãos. Por esse motivo, nada do que é apresentado desagrada por falta de qualidade. A caracterização dos personagens foi, inclusive, premiada com um Emmy em 1994, aspecto que nem depois de duas décadas deixou de ser atraente. Além de cada raça ter sua própria cultura e costumes alimentando a história, há também reflexos disso na sua aparência. Nos Minbari, pode ser notada uma tendência a roupas leves, as quais lembram muito trajes religiosos que prezam o conforto. Já os Narn não seguem na mesma linha. Eles usam roupas feitas com vários tipos de materiais sofisticados, porém sem design dominante ou qualquer tipo de padrão; refletindo o orgulho de um povo que quer tanto estar por cima que acaba ignorando noções de estilo.
Mesmo não sendo um defeito propriamente dito, o maior obstáculo para alguém que quer conferir esta obra atualmente continua sendo os efeitos especiais. Eles não são mal feitos ou algo assim, apenas ficaram ultrapassados. Se o espectador superar isso e a falta de alta resolução de imagem, acredito que a experiência de “Babylon 5” tem tudo para ser satisfatória aos que gostam de ficção científica e uma boa história. Com personagens icônicos, arcos bem construídos e uma narrativa que sabe aproveitar o conceito de conflito como poucas, é de se impressionar que a popularidade não tenha ido além do nível cult. Vale recomendar também o Lurker’s Guide to Babylon 5 (Link), um guia que ordena temporadas, filmes e spin-offs em uma ordem quase cronológica para melhor aproveitá-los.
Além das 5 temporadas, “Babylon 5” rendeu 4 filmes para a TV diretamente ligados à série: “The Gathering“, que serve como piloto; “Thirdspace” e “River of Souls“, duas aventuras extras; e “In the Beginning“, que conta a história da guerra contra os Minbari. Em 1999, foi lançado “A Call to Arms”, piloto para “Crusade”. Em 2002, “The Legend of the Rangers” saiu como piloto para um novo spin-off, também sem sucesso. “The Lost Tales” estreou em 2007 com uma proposta de reaproveitar várias histórias que não foram ao ar antes, mas também não foi além da primeira tentativa por conta de atritos entre o estúdio e J. Michael Straczynski. Felizmente, na SDCC de 2014 surgiu uma fagulha de esperança: Straczynski anunciou que um novo filme de “Babylon 5” entraria em produção em 2016. Aparentemente este será um reboot da história com alguns atores do elenco original em novos papéis. Enquanto nenhuma notícia surge, por que não encarar um pouco de efeitos especiais arcaicos em troca de uma história épica? É um investimento que vale a pena, sem dúvida.