Antes de qualquer coisa, gostaria de explicar como as análises de “Babylon 5” vão funcionar. Na grande maioria dos meus textos eu evito spoilers, ou seja, revelar partes do enredo para reforçar um argumento. Em alguns casos isto não acontece — como quando analiso a continuação de um filme e falo sobre o que aconteceu em seu predecessor — mas no geral evito revelar informações sem propósito. O caso de “The Gathering” é uma dessas exceções. A série tem 5 temporadas, um spin-off de 1 temporada e 7 filmes que funcionam como episódios de 1h30, se encaixando entre as temporadas e dando continuidade aos temas lá abordados. Sendo assim, as análises destes terão spoilers da série até o ponto da cronologia em que o filme se passa e do longa em si. Vale apontar que a ordem de visualização seguirá a indicação do “Lurker’s Guide to Babylon 5”, que coloca tudo mais ou menos em ordem cronológica. (Link)
Por “The Gathering” funcionar como piloto para o seriado principal não coloquei spoilers no texto; também decidi variar um pouco a idéia de falar apenas sobre a obra em questão e usar essa análise como uma introdução para “Babylon 5” como um todo: o que é o seriado, do que ele se trata, quais os temas e pontos para levar em consideração. Em essência, o que esperar — considerando o que é mostrado neste longa.
A história se passa no século 23, um futuro no qual a tecnologia tornou possível a conquista do espaço. Acontece que os humanos não estão sozinhos no universo. Vida existe fora da Terra em dezenas de planetas, que abrigam uma porção de raças diferentes. O porém é que a guerra não é característica exclusiva do ser humano e as nações galácticas vivem em conflito, seja por atritos políticos ou simples dominação. Numa esperança de unir os povos, a Aliança da Terra cria o projeto Babylon: uma grande estação espacial que abriga gente de todos os cantos da galáxia; diplomatas, políticos, contrabandistas, viajantes, empresários e muito mais. Não é a idéia mais segura de todos os tempos, mas todos aceitam o risco pois a estação simboliza última esperança por paz.
Essa é a idéia principal por trás do seriado: pessoas de todas as raças e índoles reunidas num lugar só. Na parte mais obscura da Babylon 5 vendedores ambulantes, andarilhos e contrabandistas lotam as instalações, enquanto nas esferas de comando outra realidade toma conta. Lá o Comandante Sinclair (Michael O’Hare), seu chefe de segurança Michael Garibaldi (Jerry Doyle) e uma equipe inteira trabalham para manter a estação tranquila, mas isso se torna um pouco difícil quando um conselho composto por 5 membros das grandes nações da galáxia brigam entre si.
A trama de “The Gathering” pega mais ou menos a idéia de atritos políticos — que também envolvem fatores raciais, históricos e pessoais — e constrói sua história em cima dela. Digo mais ou menos, pois o propósito do piloto é maior que usar 1h30 para desenvolver um enredo. No início do filme, o mencionado conselho conta com apenas 4 de seus membros, o quinto — parte de uma civilização enigmática e pouco conhecida — está para chegar. Tão logo que o embaixador coloca os pés para fora de sua nave ele sofre um atentado, colocando sua vida e a estabilidade política da galáxia em risco.
Essa é a estrutura principal do filme, mas o que realmente importa são as ramificações desta trama. A partir desse esqueleto o espectador conhece quem são os personagens principais, suas qualidades, ambições e mistérios. A caracterização e desenvolvimento estão na medida certa, sem ir longe de mais ou de menos; apresentando as histórias de cada um, mas deixando uma boa margem para eventual elaboração. Assim sabe-se que há mais por trás do que foi mostrado, fazendo o espectador ter mais do que oportunidade de se interessar por todo aquele universo. Sabe-se que houve uma guerra entre humanos e uma raça alienígena, mas os detalhes do conflito — como o porquê ele começou e terminou — ficam obscuros.
No entanto, certo nível de competência se exige, mesmo falando pouco em comparação com a história que 5 temporadas contam. Devo dizer que em termos de enredo, roteiro e direção, este filme não é dos mais competentes, o que pode ser frustrante para aqueles empolgados com o seriado em geral. Só vi os primeiros episódios de “Babylon 5”, mas a noção universal é que “The Gathering” não é um piloto que faz jus ao resto da obra. Não precisa ver todas as temporadas para notar que o pequeno pedaço do universo apresentado aqui poderia ter sido melhor contado. Algumas partes são realmente muito boas, ao passo que outras deixam para revelar-se por meios puramente expositivos. Há uma hora, por exemplo, em que o Comandante conta sua história inteira na guerra imediatamente depois de perguntarem, como se estivesse se coçando para contá-la. Em outra ocasião, o médico da estação explica extensivamente os detalhes da condição de um embaixador enfermo para mostrar ao espectador que ele corre perigo. No geral, a direção também parece não estar bem segura do que faz. Compreensível, uma vez que a constante mudança de visão de J. Michael Straczynski, o criador, é fato conhecido.
Mas de tudo isso, o detalhe que chama mais a atenção é a parte visual. Sim, os efeitos especiais renderam um Emmy para “The Gathering”, mas hoje em dia eles são intragáveis. Os cenários interiores, efeitos práticos e a maquiagem são tão bons quanto na época e refletem bem a realidade de uma série com orçamento farto. Já para quem se importa com os efeitos visuais, “Babylon 5” pode ser um problema. A qualidade gráfica é comparável ao que é visto nas cutscenes da era Playstation — não os gráficos poligonais, e sim aqueles das cenas não jogáveis. Considerando que as tomadas exteriores da estação, ou melhor, tudo que se passa no espaço é feito com computação gráfica, dá pra dizer que será difícil para os incomodados ignorar isso. Vale notar também que a série não foi remasterizada até hoje por culpa desses efeitos. Parece que uma série de decisões infelizes do estúdio responsável acabaram com as possibilidades.
“The Gathering” não é tão ruim como alguns pintam, mas também parece estar longe de estar no mesmo nível de glória que o resto do seriado. Sua função principal é cumprida: dar uma idéia do que a grande obra se trata e despertar a curiosidade com a introdução de alguns alguns temas. A parte visual, contudo, é um tanto controversa. O formato de imagem deste longa, por exemplo, não se mantém no seriado; este é apresentado em 4:3 e o resto já é em 16:9. Além disso, embora exista uma animação de segunda categoria para toda maquiagem boa, a narrativa não é afetada por isso. Se não houver problema com resolução e efeitos ruins, acredito que não haja erro em encarar “Babylon 5”.