Recomendado por um amigo, “Idi i Smotri” foi vendido por ele como um dos melhores filmes de todos os tempos. Numa dessas recomendações ele acertou: “The Wild Bunch” de fato é uma jóia do Faroeste e do Cinema em geral. Por outro lado, não posso dizer o mesmo de “Idi i Smotri”, embora ele esteja bem longe de ser ruim. Revelando um lado pouco contado da Segunda Guerra Mundial, este longa não se reprime na hora de mostrar o sofrimento e crueldade do conflito sem necessariamente apelar para o conteúdo gráfico.
Florya (Aleksey Kravchenko) é um adolescente que brinca com seu amigo de procurar objetos enterrados. Depois de achar casacos, bandoleiras e cartuchos ele encontra um rifle intacto, que permite que ele se junte à resistência Soviética contra o avanço alemão. Ele imaginava que se tornaria um homem feito, um herói de guerra e um patriota ao se alistar, mas não demora para aquela grande aventura se tornar a maior decepção de sua vida. Para quem mal sabia atirar com um rifle, lidar com gente despedaçada e fuzilada mostra-se uma tarefa pouco heróica. Mais cedo que tarde o jovem Florya vê sua vida se estilhaçar aos bombardeios e rajadas de metralhadora.
Resumindo em poucas palavras, “Idi i Smotri” é um retrato do sofrimento soviético durante a cruel invasão alemã. Em outros termos, é como uma bad trip de LSD de alguém que viveu o conflito. Psicologicamente falando, são as memórias de um sobrevivente com Estresse Pós-Traumático. Como o próprio diretor Elem Klimov disse, a intenção nunca foi criar uma história com começo, meio e fim, e sim um retrato quase alucinatório de várias cenas da guerra. Imagens de dor e sofrimento, para descrever de maneira ainda mais resumida. Os acontecimentos seguem uma cronologia e até contam com um protagonista, mas não é o registro narrativo ou a história de vida de alguém que importam. O diretor se interessa pelo que seu personagem enxerga, não por quem ele é. Considerando a proposta, Klimov cumpre seu objetivo, mas o resultado desse sucesso não é totalmente positivo. Por um lado, seu compromisso é evidente quando roteiro, direção e atuações mostram-se sempre orientados por um propósito; em contrapartida, a impressão que tive é que o próprio filme se limita com isso.
Se o gênero Guerra for dividido entre aqueles que mostram um olhar romantizado e aqueles que revelam o lado negro do conflito, “Idi i Smotri” sem dúvida se encaixa no segundo grupo. Não é uma entonação subliminar nem nada do tipo, a maioria esmagadora das imagens tem conteúdo forte. Isso me leva a pensar como muita gente classificou este longa como propaganda soviética. Falho em ver como gente queimada viva, fuzilada, estuprada e assediada pode ser visto como algo do tipo. Não é como se no fim do filme dissessem: “Os soviéticos pode sofrer, mas o povo unido sempre se levantará mais forte!”. O teor político mais forte que pode ser visto está na representação negativa das tropas alemãs, mas não há nenhuma mentira aqui; os livros de História já se encarregaram de afirmar a veracidade desses fatos. Não foram meia dúzia de assassinatos que inspiraram o Elem Klimov a fazer esta obra, foram relatos de um homem que deixou a própria família ser queimada para se salvar. Pior ainda, tragédias como essa aconteceram em não menos que 600 vilarejos.
No centro disso tudo está Aleksei Kravchenko, que simplesmente entrega a melhor interpretação por um jovem ator de todos os tempos. Exemplos de crianças atuando bem de verdade não são muito frequentes, mas estão por aí — como em “Kramer vs. Kramer” e “La Vita È Bella“. Surpreendentemente, nenhuma chega perto da atuação crua e quase selvagem de Kravchenko. Se uma história bem contada deve mostrar mudança, então “Idi i Smotri” acerta em cheio ao mostrar justamente isso em seu protagonista. Sua transformação é violenta, nunca exagerada. Ele não começa como o avatar da inocência que é forçado pelo ambiente a crescer depressa, Florya é apenas uma criança normal que tem sua vida obliterada. Ele presenciou coisas que talvez o mais maduro dos homens nunca verá em 100 anos de vida, coisas que quebram corpo e espírito. Kravchenko não poupa esforços na hora de ilustrar essas feridas abertas. Fisicamente, a maquiagem se encarrega de dar uma aparência devastada a ele, de resto é ele quem derrama lágrimas de ficar tempo demais com os olhos abertos, sem olhar para nada em particular. Se os atos hediondos dos alemães não falarem por si, o ator certamente passará a mensagem com seu personagem meio louco, meio ferido e totalmente flagelado.
Entretanto, por mais que a história seja potente em seu retrato do horror da Segunda Guerra Mundial, contando com um esforço colaborativo notavelmente bem dirigido por Klimov, fica um sentimento de “É só isso?”. De forma alguma quero invalidar o sofrimento dos soviéticos ou a importância daqueles eventos, mas considerando “Idi i Smotri” como experiência cinematográfica fiquei um pouco desapontado. A obra faz bem tudo o que se propõe e ainda assim tive a impressão de que ela é relativamente limitada. Havia margem para expandir o que foi visto em algo mais, ramificar o que já é bom em algo ainda melhor.