Depois de assistir a “Sayat Nova” devo me desculpar profundamente por sugerir que “Amarcord” pode ser considerado um filme confuso; nada do que é feito lá vai tão longe como a obra de Sergei Parajanov. Este é um longa abstrato, poético, artístico, surrealista, intangível, metafísico e toda a coleção de adjetivos similares que ilustram este trabalho. Para fins mais simples, é chamado puramente de um filme arte. Falo de um diretor que veio da União Soviética, o mesmo país do cineasta que disse que duas imagens justapostas, cada uma com seu valor semântico, resultam num terceiro e novo significado. Essencialmente, este longa é a justaposição de centenas de imagens, que geram uma infinidade de outros sentimentos e sentidos sem passar uma mensagem propriamente dita.
A história — ou a falta dela — está centrada na figura de Sayat Nova: um poeta, músico e monge armênio. Como o longa alerta logo no começo, esta não é uma biografia tradicional. A proposta é usar imagens e sons para contar a trajetória de Sayat Nova como se ela fosse recontada pelo próprio poeta, explorando como sua mente funcionava. Não há narrativa, não há um esqueleto, apenas uma proposta que mal pode ser chamada de premissa.
Tratando-se de uma experiência cruamente audiovisual, levando o termo ao pé da letra, é louvável o esforço de criar tanto uma estética como um design de produção totalmente orientados para o que Parajanov quer comunicar. A mensagem em si se perde no caminho, mas isto não vem ao caso neste momento. Escolhendo paisagens históricas e naturalmente belas, o diretor usa todas as cartas disponíveis para criar imagens de cores fortes, detalhes em peso e uma encenação no mínimo engenhosa; mais ainda quando os elementos utilizados são limitados ao que estava disponível na época do poeta, o século XVIII. De alguma forma, o conjunto desses ingredientes cria algo maior que imagens complexas, embora esta constelação de sublimação artística pareça estar ao alcance de poucos.
“Sayat Nova” este não foi feito para a audiência buscar objetividade nele. Procurar uma sacada que explique toda a bagunça é uma jornada pautada no fracasso quando falta qualquer tipo de margem interpretativa palpável. Como espectador, uma coisa é não forçar uma linha para dar sentido às imagens, mas também não é se propor a se perder no solipsismo do diretor. Solipsismo porque o diretor cria um playground cinematográfico onde só ele brinca. Porque a linguagem cinematográfica está distante de qualquer linguagem minimamente reconhecível, não apenas ao que é considerado comercial.
Particularmente, não gosto da divisão do cinema em arte e comércio, como se os dois pólos fossem explicitamente separados; é melhor usar o tempo para apreciar a arte em vez de classificá-la. Eis o problema aqui: “Sayat Nova” está tão deslocado de qualquer convenção cinematográfica que é simplesmente muito difícil de agarrar qualquer que seja o sentido pretendido. Para não dizer que tudo foi em vão e a experiência não agregou nada — sem considerar a curiosidade inicial obliterada — “Sayat Nova” me fez pensar muito sobre seu conteúdo e eventualmente sentir certa indignação diante de tanto aplauso.
O fruto do desgosto não é a expectativa não correspondida, uma vez que “Sayat Nova” nunca esteve alto na lista de prioridades. A idéia é manter a cabeça aberta para qualquer tipo de filme, seja ele comercial, artístico ou qual for a classificação da vez. No entanto, abrir a mente para algo e não sentir ela sendo preenchida com algo é a definição perfeita de frustração. Também não dá para dizer que a sessão foi um sonífero, pois outra das conquistas de “Sayat Nova” foi assassinar meu sono com a vontade de descobrir o que diabos estava acontecendo. Para completar o pacote, me senti meio enganado e meio indignado, talvez até burro por não ter entendido o avatar da genialidade na visão de muita gente. Será que viram o mesmo filme que eu? Qual o currículo necessário para absorver uma obra como essa?
Uma coisa me chamou a atenção, contudo: todos os elogios que vi são tão objetivos quanto qualquer coisa em “Sayat Nova”. Ser vago parece pré-requisito para uma crítica positiva. Estou para ver um argumento que diga pontualmente o porquê esta obra é tão genial. O comum é falar que os visuais inspiraram outros cineastas, que o longa é poesia visual em sua forma mais pura e que é emocionante; outros chegam a dizer que genialidade é o artista não ter que explicar sua arte para os outros, então eles fazem o mesmo e não explicam porque a obra é tão boa. Compreendo perfeitamente que não é um segredo que vai abrir meus olhos para este filme, mas gostaria de poder enxergá-lo como a obra prima de muitos em vez de um relativismo artístico descarado.