Ver filmes clássicos décadas após seu lançamento é sempre uma experiência interessante. Por um lado, esses anos todos são cheios de elogios, que cimentaram a reputação da obra na história. Mas e se o filme não for tudo isso que falaram? É uma questão interessante, ainda mais quando não há como dizer quem está errado nessa história. “Bringing Up Baby” é considerada uma comédia clássica, uma das melhores colaborações de Cary Grant com Howard Hawks, mas no final das contas não passa muito de um nível mais comum de qualidade. Especialmente quando comparada a outras excelentes obras do diretor e dos Anos 30 em geral.
Dave Huxley (Cary Grant) é um paleontologista muito dedicado a seu trabalho num museu, tanto que sua própria noiva abre mão dos lazeres de seu relacionamento para não atrapalhar. Nos últimos 4 anos, um esqueleto de brontossauro tem tomado seu tempo e, finalmente, falta apenas um osso pequeno para que ele fique completo. Com o osso a caminho, resta ao Dr. Huxley tentar ganhar as graças de um investidor para que 1 milhão de dólares sejam doados para o museu, mas Susan (Katharine Hepburn), o entusiasmo em pessoa, se intromete e pode acabar tornando as coisas um pouco complicadas.
Se existe uma coisa que absolutamente ninguém gosta é de um deus ex machina, termo popular para uma coincidência ou solução absurda; apesar que quando usada de maneira inteligente, o resultado é uma boa surpresa. O que falar, então, de um filme que usa esse artifício o tempo todo, como uma peça crucial para o desenvolvimento da história? É difícil dizer se Howard Hawks, o diretor, é cínico ou se simplesmente não liga para elas, mas uma coisa é certa: ele usa o humor muito bem como camuflagem. Caso contrário, é certo que mesmo os espectadores pouco exigentes reclamariam do roteiro conveniente.
“Bringing Up Baby” é um filme essencialmente feito de desencontros e maus entendidos. Nada do que acontece está nos planos de algum personagem; sempre acontece algum imprevisto e as coisas mudam repentinamente. Nem mesmo simples conversas parecem ir a algum lugar, pois sempre há sentidos duplos em qualquer palavra. Em certo momento, por exemplo, o protagonista reclama com uma garota que pegou sua bola de golfe por engano e, referindo-se ao formato de uma marca na bola, diz que é um círculo, ao que ela responde: “Mas é claro que é, você acha que ela rolaria se fosse um quadrado?”. Típico de outras comédias da época, o humor visto aqui aposta completamente no inesperado, em qualquer situação que tenha potencial para dar errado, tenta pegar o espectador desprevenido o tempo todo. Pensando em como esse tipo de comédia funciona, é difícil imaginar o que poderia dar certo quando uma cena dá errado, seja por não ter graça ou por outros fatores. Em um filme de ação, por exemplo, é mais fácil se imaginar consertando as besteiras; aqui, o fator imprevisibilidade torna esta tarefa especialmente complicada, tornando as possibilidades infinitas enquanto não deixa claro qual delas é boa.
Ainda assim, é possível apontar onde a bola é quadrada, onde erram a mão: o humor, elemento central para o filme, amarrar e tornar o roteiro mais fácil de engolir não é algo exatamente positivo. Ele transforma a falange de imprevisibilidades em uma história fechada e, de algum jeito, amarra todas as pontas sem deixar nada solto. Como resultado, outra falange surge em seu lugar, desta vez de coincidências e eventos convenientes. Alguns podem dizer que o simples fato de tudo fazer sentido no final das contas é genialidade o bastante para compensar qualquer erro, eu prefiro dizer que este não é o caso porque o humor é bom, mas não é o bastante para desviar a atenção de aspectos menos desenvolvidos – como acontece em “Duck Soup”, dos irmãos Marx. Há mais que uma porção de trocadilhos bons, mas eles sempre parecem estar a um passo de serem suficientes, sem chegar lá por muito tempo. Acredito que o culpado por isso não é tanto o roteiro, talvez seja como Howard Hawks dirige sua estrela: Cary Grant. Aqui, ele não é um personagem que faz o espectador ter vontade de parar de ver o filme, mas também não é nada que vá fazer alguém aplaudir quando ele está em cena. Na maioria dessas sequências, a atuação de Grant é exagerada, como o contexto supostamente exige, com o detalhe do exagero se dar pelo desconforto dele, que torna todo aquele ato forçado. No fim das contas, parece mais que o ator não está interpretando o personagem de uma maneira diferente como ele faria. Katharine Hepburn, por outro lado, faz o seu melhor para tornar a dupla de estrelas um diferencial de verdade; entregando uma atuação que mistura perfeitamente a ingenuidade, a petulância e a capacidade de gerar desastre. Curiosamente, quem normalmente está nesses papéis provocativos é o próprio Cary Grant, que inverte os papéis, é o provocado da história e entrega uma atuação abaixo da média. Outra coincidência?
Considerando esses pontos em que o humor deixa a desejar, fica difícil considerar o roteiro genial, quem dirá relevar todas as partes em que a história é conveniente demais. Devo dizer que esperava muito mais de “Bringing Up Baby”, considerando sua reputação como uma das comédias quintessenciais do cinema. É uma obra bacana, que não chega a alcançar os mesmos níveis de qualidade de outras obras excelentes do gênero.