Não é como se os roteiristas de “Duck Soup” tivessem inventado a fala, mas certamente parece. Se não isso, qualquer diálogo bem escrito deveria ao menos respeitar esta obra por estabelecer um padrão tão alto já em 1933, apenas 6 anos após o primeiro filme com som. Quando se fala em Comédia dos Anos 30, mutos provavelmente pensarão em Charlie Chaplin. Curiosamente, se falarem naquela máscara com óculos, sobrancelhas, nariz e bigode, a maioria reconhecerá de algum lugar, sem saber que aquele é o rosto de Groucho Marx, um gênio da Comédia. De um lado, as comédias de Harold Lloyd e Buster Keaton tinham muita coisa parecida com o trabalho de Chaplin, de outro os irmãos Marx exalavam originalidade.
Freedonia, terra dos bravos e livres, passa por problemas financeiros e apenas a Senhora Teasdale pode salvar o país com um empréstimo milionário. No entanto, ela só emprestará o dinheiro se a administração for trocada e Rufus T. Firefly (Groucho Marx) for nomeado presidente e líder da nação. Aparentemente uma pessoa séria, Firefly mostra que tem um pé na loucura quando respeito e bom senso não estão em seus planos, longe disso, ele parece gostar de causar encrenca. Ao mesmo tempo, dois espiões patetas são enviados por uma nação rival para obter informações secretas de Freedonia, piorando a situação ainda mais.
No geral, esta é uma obra que de fato não compartilha muitos detalhes com a obra de Chaplin. Algumas coisas estão ali, como o caminhar incomum e o comportamento bizarro dos personagens, mas não se engane: o fator mais próximo é, sem dúvida, a graça. O humor visto em “Duck Soup” é algo que eu realmente não esperava de um filme tão antigo. Com 82 anos de idade, as piadas e a comédia são tão modernos que é difícil dizer que eles são tão velhos. Os irmãos Marx vão além de cenas mais físicas, que envolvem movimento, e partem também para um modelo popular de comédia hoje em dia, aquela que usa mais as palavras do que o corpo. Apenas para exemplificar, quase todo comediante e ator de Comédia moderno tem algum quadro stand up, ou um espaço em que possa soltar suas piadas, como um programa de televisão. Não é dizer que usar apenas as palavras seja, de alguma forma, limitado, mas é o que conquista o público hoje.
Na fala, Groucho Marx e seus três irmãos brilham tanto que vê-los dar seu show foi uma das surpresas mais agradáveis que tive ultimamente. “Senhores, Chicolini pode falar como um idiota e parecer um idiota. Mas não se enganem, ele realmente é um idiota”. Se esta frase não falar por si, pergunto se este é o tipo de coisa que se espera de um filme da década de 30? Se o espectador nunca teve contato com a obra dos irmãos, provavelmente não. O melhor de tudo é que esta é apenas uma fala entre uma infinidade de muitas outras igualmente geniais. Alguém que tenha o hábito de fazer graça sabe que a escolha do momento certo às vezes é tão importante quanto a piada em si. Por exemplo, por melhor que uma chacota seja, ela não teria a mesma graça se fosse contada em um velório em vez de uma mesa de bar. Nem nisso erram neste filme. Pode-se dizer com segurança que raramente qualquer coisa parece fora do lugar.
Entretanto, dizer que a fala rouba a cena é uma injustiça com o resto dos esforços do elenco. Nunca vi nada de seu trabalho da época do Cinema Mudo, porém, pelo que vi aqui, imagino que não seja muito abaixo das obras que vieram depois. Enquanto Groucho comanda os gracejos falados, seus irmãos Harpo e Chico trabalham a parte física do papel, com movimentos e comportamento tão loucos que é difícil entender como conseguem dar harmonia para aqueles atos quase aleatórios. Em certa sequência, os espiões, Harpo e Chico, esperam fora do palácio de Firefly por uma oportunidade de se infiltrar. Ainda que pareça uma tarefa entediante, isso não impede eles de se divertir durante o trabalho, o que significa importunar um vendedor de amendoim até o limite da sanidade. Nesta bagunça o que mais falta é lógica: os espiões trocam o chapéu do vendedor o tempo todo, espantam seus clientes, chutam sua bunda, jogam seu amendoim no chão e… fazem ele segurar a perna de Harpo? Não é o tipo de coisa que eu pensaria em colocar num filme de Comédia, mas, curiosamente, esta é uma das palhaçadas recorrentes mais simples e geniais de todas.
Com tantos acertos de alto nível, fica fácil identificar a única parte que deixa a desejar nisso tudo: a conclusão. Claro que este não é um filme que se preza por seu enredo, ligam tão pouco para a lógica que querer procurar sentido na trama é uma tarefa igualmente sem lógica. Ainda assim, sinto que faltou pelo menos uma piada ou algo melhor do que foi usado para embrulhar aquela sequência de sucessos, que infelizmente acaba abruptamente. Independente disso, todo o resto já o bastante para fazer deste um dos melhores filmes de Comédia de todos os tempos.