Antes de qualquer coisa, devo confessar que não botava nenhuma fé em “Creed”. Para mim estavam mexendo em uma franquia que tinha sido concluída com dignidade em 2006 com “Rocky Balboa”. Tirar um novo personagem do bolso para colocar Sylvester Stallone nos sapatos de Rocky de novo era apenas desnecessário. Pelo primeiro trailer lançado achei que este longa seria falho, enquanto o bem falado “Southpaw” seria o filme de boxe do ano. Quando este último foi lançado por aqui, a decepção chegou forte; e depois disso mal pensei em “Creed”, achando que seria ainda pior. No final das contas ele não só surpreendeu, ele mostrou ser um forte candidato a filme do ano.
Anos após a morte de Apollo Creed nas mãos de Ivan Drago, uma criança perambulava de orfanato em orfanato, chegando a visitar centros de detenção juvenil de vez em quando. Um dia, o garoto descobre que é filho de Apollo e é convidado a morar com a viúva do boxeador, que cria o garoto como filho. O tempo passa e cada vez mais Adonis (Michael B. Jordan) segue os passos de seu pai, para o desespero de sua mãe. Mesmo assim, isso não impede o rapaz de seguir seus sonhos, que o levam a Filadélfia em busca do treinamento de Rocky Balboa (Sylvester Stallone).
2015 é o ano em que dois remakes deram muito certo: “Mad Max: Fury Road” e “Creed”. Ambos utilizam, manipulam, mudam e atualizam uma porção de características de suas franquias e criam algo extraordinário. Não seria esse o segredo de toda continuação ou remake? Muito provavelmente. No entanto, nem todo filme consegue seguir estes mandamentos, muitas vezes resultando na mediocridade. Tem tanta coisa dos “Rocky” clássicos aqui que este é, essencialmente, mais uma continuação que um spin off. O pupilo perdido encontra a orientação de um mestre; combina-se a determinação e poder do jovem com a experiência e sabedoria do velho. Além desta similar premissa bruta, os detalhes ainda reforçam: o interesse amoroso que se desenvolve como uma luta, o conflito de gerações, o treinamento e a tomada de decisões cruciais. Tudo está ali, de sua forma. Sem usar o universo da série como publicidade gratuita, nem como bengala. Muito disso se dá por conta da direção inteligente, que dá um jeito de incluir tudo sem parecer pretensiosa e rasa. Elementos menores como o sentimentalismo e a moralismo estão ambos presentes, sem que tomem tempo demais ou tempo de menos. Não roubam a cena, nem estão ali para bater ponto. Como fazem isso? Cortando estes momentos antes de sua conclusão natural. Todos sabem como alguns eventos se desenrolam, os clichês falam por si, então não há porquê deixá-los dar um discurso. Eles começam e estabelecem contato o bastante para a fazer a diferença, então são cortados antes que possam se tornar indesejáveis.
A introdução de Adonis, o protagonista, é repentina e parece muito uma tentativa barata de reviver a franquia. Ela pode até ser essa tentativa, mas de forma alguma é barata. A fórmula, no geral, permanece a mesma, enquanto toda a parte técnica é revitalizada. Em “Mad Max: Fury Road” todos os efeitos especiais, práticos e digitais, foram elevados a um novo patamar, superior a tudo que veio antes. Aqui acontece o mesmo. Em vez de explosões e carros explodindo, temos uma fotografia e direção como nunca havia sido visto antes na franquia. As lutas são capturadas de uma maneira muito mais íntima e explosiva, a câmera aproxima-se mais dos envolvidos e não faz o trabalho de simplesmente apresentar um evento, mas de representá-lo. Murros não são servidos de longe, tudo é muito mais próximo e potente; cada soco é sentido, não apenas visto de longe. Sem dúvida alguma este é o “Rocky” mais agradável e ambicioso visualmente.
Dos elementos resgatados por este filme, o mais importante é a tensão do “Rocky” de 1976. Eu ter visto 9 vezes não impede a aflição de me fazer companhia. Eu sei quem ganha e por que, mas ainda me pego torcendo como se Balboa vs. Creed estivesse passando ao vivo. Mais que renovar visualmente o antigo, a competente direção de fotografia renova também a clássica dose de energia das lutas. Ficar na beira do assento é coisa do passado, agora o espectador se sente dentro da arena da luta, ouvindo os gritos da torcida em toda a parte, os socos ecoando e o suor respingando. É uma experiência e tanto, porém acredito que poderiam ter dosado um pouco mais na parte da nostalgia, evitando que alguns detalhes tornem-se óbvios antes da hora. Nada grave o bastante para que adivinhem o filme logo no começo, felizmente.
Não sei como acontece com outras pessoas, mas sempre tenho uma dor no coração quando filmes queridos são superados. Pelo menos é uma dor de caráter bom, pois é algo melhor que dá as caras. Gosto muito do primeiro “Rocky” e por muito tempo ele foi o melhor da série, mas quando algo estrondoso e sensacional como “Creed” dá as caras, não é justo dar um segundo lugar quando o primeiro é merecido. Este não é apenas o melhor da série, muito provavelmente é o filme do ano.