Quando me falaram que o cinema de Frank Capra era alegre e otimista, aceitei sem problema; este era um aspecto característico do Realismo Romântico da Hollywood. Mark Cousins, crítico de cinema, vai além em seu livro “Story of Film: An Odyssey” e adiciona “Fechado” ao termo, resultando no chamado Realismo Romântico Fechado. Basicamente, ele usa o mesmo preceito do Realismo Romântico — ficção com traços da realidade e vice versa — e o coloca num mundo fechado para o exterior. Um misto de real e fantasia que funciona por seguir suas próprias regras. O espectador se vê na tela — através dos traços de realismo — e aceita detalhes irreais por eles fazerem sentido naquele universo fictício.
Até aí tudo bem. Se a falta de som no cinema mudo não impediu nenhum filme de ser bom, não seriam alguns preceitos antigos que me fariam não gostar desta obra. Só que Capra realmente leva a sério seu otimismo ao arrastar anjos direto do céu para o planeta Terra, mesmo que soe absurdo para algumas pessoas. Os primeiros momentos do filme já ilustram a metáfora perfeita para o Realismo Romântico Fechado: O quadro captura várias estrelas, que logo revelam ser anjos, conversando informalmente sobre um homem. Utilizam elementos reais, a imagem da estrela e o diálogo informal, para representar algo fantasioso, um anjo; e no fim das contas nada é questionado, afinal de contas se fala de um filme, não é mesmo?
George Bailey (James Stewart) é um bom homem, mais especificamente o pilar da comunidade. Mesmo quando jovem, ele sempre estava presente para ajudar o próximo, independente da pessoa ou da necessidade. Com o passar do tempo, ele abre mão de muitas oportunidades de sucesso e felicidade em prol do bem maior. Levando uma vida que não era bem o que ele sonhava para si, George permanece com um sorriso no rosto, isto é, até o dia em que as coisas desabam. Seu parceiro de trabalho perde uma grande quantia em dinheiro e traz problemas igualmente grandes para Bailey, que repensa todas as decisões de seu passado e contempla o suicídio. Quando várias pessoas rezam pelo rapaz, as estrelas falantes escutam as preces e enviam um anjo para ajudá-lo a encontrar seu caminho.
Como alguém que nunca teve contato com o trabalho de Capra antes destes filme, devo dizer que foi um choque ver como a felicidade e o otimismo são tão fortes, a ponto de se tornarem incômodo às vezes. Já havia lido sobre o cineasta em vários lugares e todos disseram coisas parecidas: seu trabalho caracteriza tanto o Sonho Americano que já chegaram a dizer que qualquer de felicidade nos EUA foi produto do próprio Frank Capra. Não é de se surpreender que este filme, símbolo deste sonho, passe na televisão de lá quase todo Natal. Estúdios interferindo obras com suas mudanças já é ruim por si, imaginem um filme inteiro com um sorriso na cara. Parece a receita do fracasso, mas este sentimento ser tão eterno torna tudo mais aceitável. Posso até ser chamado de amargo por me incomodar com a felicidade alheia vista aqui, mas é bizarro como os ânimos parecem estar mudando para melhor até mesmo quando a situação está feia. Os momentos realmente alegres são quase produtos de um musical, com músicas natalinas assoviadas e pessoas saltitando de êxtase; enquanto os deprimentes funcionam como alavanca para algo eternamente mais doce.
No entanto, essa alegria constante foi incômoda apenas quando haviam excessos, não o tempo todo; caso contrário eu teria gostado muito menos desta obra. Talvez eu estar em um humor meio azedo tenha tido alguma coisa a ver com este conflito de sentimentos, embora eu tenha mantido a mesma impressão depois de esvaziar a cabeça. Mesmo com esse sonho americano carimbado em todos os quadros, este não é um filme ruim, de forma alguma. É realmente interessante ver que há muito pouco daquela atmosfera de filme antigo, normalmente transmitida pela fotografia arroz com feijão, estritamente pré-estabelecida. Dando segurança com seus temas, o diretor ganhou a confiança dos estúdios e liberdade para exercer o posto de diretor. Com menos limites, sua direção tem a chance de brilhar, ir além dos limites impostos na época e mostrar que há mais do que otimismo por trás da fama . Essa direção é, sem dúvidas, responsável por fazer a história fantasiosa e simples ser tão eficiente; afinal de contas, admito que me senti um pouco melhor depois que a história se concluiu, final feliz e tudo. O outro responsável por esta eficiência é, curiosamente, a mesma coisa que causou os desnecessários exageros: a fidelidade do cineasta ao seu produto.
Frank Capra mantém uma mão tão forte sobre a animação exacerbada que toda a lógica do Realismo Romântico Fechado se concretiza como nunca. Estrelas falando e anjos descendo dos céus podem fazer alguns espectadores torcer o nariz quase imediatamente. O fato destes elementos funcionarem aqui é, no mínimo, impressionante.