Término de relacionamento não é, nunca foi e nunca será algo fácil. Sempre existirão as conversas sobre quem estava certo e errado ou sobre quem teve mais ou menos culpa pelo desfecho, embora seja raro haver unanimidade quanto a estas discussões. Se términos por si já são complexos, quando há casamento e filhos no meio a situação complica ainda mais por outra vida estar envolvida ali no meio; não é mais uma luta de egos, mas um conflito que pode ser— e normalmente é — prejudicial para as crianças envolvidas. Este é um assunto comum nas rodas de conversa nesta era de casamentos efêmeros, apesar do caráter parcial destes papos nunca expor os fatos como eles realmente aconteceram.
Em “Kramer vs. Kramer” este é o assunto principal. Ted Kramer (Dustin Hoffman) é um publicitário de sucesso, ele se dedica totalmente ao seu trabalho e este esforço vem sendo recompensado fartamente. O preço deste sucesso, entretanto, é o tempo que ele poderia ter dedicado a sua esposa e filho. Cansada de abdicar de sua própria vida para ser esposa de um marido ausente e mãe de um filho sem pai, Johanna Kramer (Meryl Streep) abandona o lar para seguir seus sonhos. Resta a Ted cuidar sozinho de seu filho — ou melhor, aprender como no processo — e dar conta das exigências de seu ofício. Após 18 meses, Johanna volta para a cidade para pegar seu filho de volta, mas o pai não está disposto a abrir mão dele tão facilmente, resultando em uma briga intensa pela criança.
Tratando de um conflito, um fato impressionante é como estabelecem a imparcialidade tão bem. Em situações como esta, é muito fácil tomar partidos, dizer quem estava errado e quem pecou mais; e não duvido que estes mesmo julgamentos aconteçam aqui, só que nenhum deles vêm da parte do filme, todos são externos ao que a obra expõe. Isso significa que o espectador pode muito bem querer dizer que Ted é o vilão da história por uma série de motivos totalmente compreensíveis, enquanto outra pessoa pode apontar Johanna como a maior criminosa por razões igualmente palpáveis. Por mais que alguém escolha defender um dos dois cônjuges, não existem anjos ou demônios; o longa-metragem deixa a situação em um neutro real, com prós e contras o bastante para que uma opinião embasada se forme a favor de qualquer um dos envolvidos.
Essa neutralidade é um dos pontos mais fortes desta obra, junto com as atuações do trio protagonista e a condução do enredo. Francamente, é difícil apontar um real vilão nesta história, não em relação ao casal em divórcio, mas em termos técnicos; é complicado apontar um aspecto cinematográfico, como a direção ou roteiro, que incomode de verdade. Para mim este é um filme que tem seu nível de qualidade medido exclusivamente pelo grandeza de suas conquistas, não pela presença de defeitos que ferem estas mesmas conquistas. Por exemplo, alguém poderia dizer que a história é perfeitamente conduzida, mas que o garoto atrapalha o filme por ser chato. Embora comum em filmes com crianças, nem isso pode ser dito de Justin Henry, o filho do casal protagonista. Como mostra “My Dinner With Jimi“, filme estrelado por Henry em 2003, o rapaz manteve seu talento como ator de criança até seus anos de maturidade, ainda que sua carreira não tenha ido para muitos lugares.
A criança é outro daqueles exemplos de como escolher bem um ator juvenil, que cumpre bem todas as demandas de seu papel sem ser chato. Tomando como exemplo o começo do filme, no qual pode-se ver o pai tendo dificuldade para lidar com seu filho, não temos um garoto tentando ser malcriado e sendo só chato, mas um que mostra que existem saudades de sua mãe por trás de sua desobediência. Tais sutilezas só podem ser reflexo de uma direção que vai além das câmeras, uma vez que no caso de atores juvenis os diretores são muito influentes no comportamento visto em tela. O impressionante é que isto se vê pouco até mesmo em atores maduros, ver num garotinho é o tipo de coisa que parece pequena, mas que faz a diferença no final das contas. Se os Oscar para Meryl Streep e Dustin Hoffman não dizem o bastante sobre suas performances, digo eu que se existe algum filme de referência para a magnificência de Streep, este é ele. Seu tempo de tela é reduzido se comparado aos outros dois protagonistas, talvez um terço apenas, e, por incrível que pareça, se ela tivesse apenas sua cena de monólogo, seu Oscar e seu Globo de Ouro já seriam justificados. Hoffman, por outro lado, também está muito bem, mas sua magnum opus como ator ainda é “Rain Man“.
Uma história de tema pesado e sentimental contada de maneira leve e agradável de se acompanhar. Quem pensar que assistir “Kramer vs. Kramer” é o mesmo que ouvir seus parentes fofocando sobre o divórcio alheio estará redondamente enganado, não só por ser uma visão diferente sobre um relacionamento mas também por ser muito mais interessante.