Existem casos em que a obra torna-se maior que seu criador — como “Star Wars” ir além de George Lucas para a Disney — e casos em que isto não acontece, mas a empolgação do diretor dá a entender o contrário. Se por um lado alguns filmes deixam de ser promissores e saem dos trilhos depois de uma decisão idiota, “Moulin Rouge!”, por outro lado, não sofre deste mal. Desde o começo, o trem já está descarrilhado. pois este longa não esconde o jogo e dá uma boa idéia do que seguirá desde o começo. Não é o grande musical que disseram que seria, nem ao menos um decente.
Na Paris do começo do Século XX, Christian (Ewan McGregor), um aspirante a escritor, acompanha a Revolução Boêmia de perto e tenta fazer seu nome no submundo francês de prostitutas, álcool e festas. Qualquer bar sujo tem sua fatia de entretenimento, mas nenhum deles chega aos pés do Moulin Rouge, uma casa de espetáculos que satisfaz os prazeres de seus clientes de maneiras nada menos que sensacionais. Christian é logo atraído para o famoso cabaré, onde encontra a charmosa Satine (Nicole Kidman), estrela da casa. Sua intenção inicial era alavancar a produção de uma peça de teatro, porém a situação complica. Seu interesse profissional torna-se romance ao mesmo tempo que um dos clientes mais poderosos da casa cobiça os carinhos da moça também.
Quando disse que o cineasta acha que tem uma obra maior do que ela realmente é, me referi ao grande fascínio de Baz Luhrmann por “Moulin Rouge!”. Pelos seus diálogos em “The Story of Film: An Odyssey“, dá para notar que ele é um homem de paixões e que, muito provavelmente, o cinema é sua válvula de escape. Ver o homem falar de sua visão com tanto entusiasmo foi uma isca perfeita para que eu me interessasse por seu trabalho; interesse que seria justificado caso “Moulin Rouge!” tivesse apenas um pé na extravagância, não desse um mergulho de ponta. Espectadores familiares com “The Grand Budapest Hotel” podem ver uma certa ligação entre o visual destas obras. Ambas contam com Designs de Produção do mais alto nível. Há apenas uma diferença: a obra de Wes Anderson faz um jogo de cores harmônico e agradável para os olhos, deixando o espectador apreciar suas compoções; Luhrmann deixa seu material tomar o controle e coloca todas as cores conhecidas em cena. O tempo todo.
Não vou negar que algumas sequências realmente são bonitas. O CGI combinado com sets complexos faz um bom trabalho ocasionalmente. Às vezes dá tempo de perceber que o diretor colocou pelo menos umas 50 pessoas dançando em sincronia com a música. Mas nem sempre. Devo dar crédito ao fato de todos os cenários possuírem um alto nível de detalhe, independentemente de qualidade. Normalmente, não é algo que vira alvo de críticas e não seria aqui também se a empolgação do diretor com a estilização não chegasse no patamar da poluição visual. O pecado é definitivamente pelo excesso quando usa-se toda e qualquer ferramenta disponível ao mesmo tempo para complicar a composição da imagem tanto quanto possível. Computação gráfica, objetos em demasia, figurinos complexos e uma multidão de atores pintados das mais saturadas cores, são os agentes da exaltação de Baz Luhrmann. Resulta num impacto visual forte, porém altamente desorientado por faltar um senso de organização.
O estilo da direção de Luhrmann segue essa linha e pode ser facilmente comparado ao de uma criança entusiasmada com seu novo brinquedo: uma câmera. E mais, essa mesma criança está no lugar com que ela mais sonhou a vida toda, algo como o Disney World. Sem saber o que gravar primeiro, ela apenas liga a máquina e sai tentando capturar tudo ao mesmo tempo; todas as pessoas, os fantasiados, as atrações, os cenários… Chegando em casa, ansiosa para reviver a experiência na gravação, contudo, encontra desencanto por notar que seu descontrole resultou em um vídeo confuso e bagunçado. A grande oportunidade de eternizar uma oportunidade única e fazê-la valer ainda mais a pena é jogada no lixo. No caso de “Moulin Rouge!”, todo o orçamento e os recursos à disposição de Luhrmann são mal aproveitados.
Colocando em termos cinematográficos, esta situação infeliz é piorada pela edição esquizofrênica; mais preocupada com exibicionismos, contidos em milhares de cenas com pouco mais de 1 segundo, do que com qualquer tipo de coerência ou ritmo. Ao menos a parte Musical do filme não sofre com esta estilização absurda. O termo “musical jukebox” — um tipo de musical que usa canções já existentes em um novo contexto — é aplicado de um modo interessante. Mesmo que a história de “Moulin Rouge” se passe em meados de 1900, o espectador pode ouvir Nirvana, David Bowie, Madonna e Elton John, todos remixados e transformados de um jeito que se tornam músicas totalmente novas em vez de simples participações. O único problema reside no fato da grande maioria desses números não durar quase nada. Portanto, fica difícil colocá-los junto de grandes canções de outros filmes do gênero. No final das contas, eles permanecem como embriões de números musicais que tinham muito potencial.
Depois de ver Baz Luhrmann falar sobre sua visão de cinema, é realmente difícil não imaginar algo menos que espetacular quando as palavras saem com tanta paixão. É uma pena que na execução esta mesma paixão seja traduzida de uma forma tão excessivamente extravagante e ultra estilizada que fica difícil absorver algo. Mal dá para captar todos os detalhes de uma cena por sua quantidade absurda e ainda menos por não haver tempo para fixar os olhos num quadro antes que outro surja. Ao menos o roteiro simples torna possível entender algo, o que, diferente de muitas opiniões, age mais em benefício da obra do que em prejuízo