Nunca na minha vida eu desejei tanto uma dublagem. Normalmente sou contra qualquer tipo de dublagem de uma obra, pois o processo de regravar as falas e mixar na trilha é mais curto e menos cuidadoso que a mixagem de dezenas de horas da trilha original. Não preciso dizer que o resultado é de baixa qualidade. É comum, nestes casos, ver bizarrices como frases fora de contexto para que as falas tenham a mesma duração e que mesmo assim são horríveis por conta do movimento labial não corresponder com os sons. Por outro lado, animações não sofrem tanto do mesmo mal por conta de ser mais simples mostrar uma sincronização labial adequada.
Outro caso em que uma dublagem serviria bem é o de “The Story of Film: An Odyssey”, no qual temos um dos piores exemplos de narração de todos os tempos. Alguns anos antes do lançamento desta minissérie, Mark Cousins, crítico de cinema, publicara um livro homônimo que traçou a história do cinema desde suas origens até o começo dos anos 2000. Tendo lido o livro antes de ver o seriado, devo dizer que não tenho nada além de elogios para tal obra — repleta de conteúdo histórico, popular e desconhecido, e até imagens para ilustrara narrativa. Eis então que surge uma oportunidade para transformar mais de 500 páginas informação em uma minissérie de 15 episódios de 1 hora, certamente um passo a frente na transmissão de informação, considerando que o assunto é Cinema e que um vídeo vale mais que mil imagens.
Mark Cousins não escreveu só o livro que serviu de base para esta minissérie, foi também diretor e roteirista dos 15 episódios. Além de crítico, Cousins tem uma carreira de cineasta, então ele encabeçar o projeto não é surpresa para ninguém. Como seu livro mostra, o homem é mais do que capaz de escrever o roteiro e saber onde buscar informação para enriquecer sua obra. Mas se em algum momento ele achou que narrar sua obra seria uma boa idéia, ele nunca esteve tão errado. A narração é uma mecânica que pode ser tão benéfica quanto malévola para um filme; ela pode ser complementar ao conteúdo ou ser muito explicativa e insultar a inteligência do espectador. No Documentário ela normalmente funciona porque já estar associada ao gênero, mas ainda assim é necessário uma voz por trás das palavras, uma voz que não apenas leia mas também vocalize algum sentimento além daqueles conjuntos de fonemas.
Com isso não me refiro apenas a uma voz bonita de Laurence Olivier ou de Jeremy Irons, mas a uma que tenha substância em sua dicção, pois é comum ver vozes bonitas que mal conseguem ler um texto. Mark Cousins, por outro lado, não possui nenhuma dessas duas características essenciais para uma narração competente. Sua dicção é monótona. Não há empolgação. Tudo é lido no mesmo tom. Frases longas são cortadas. Para que se encaixem na entonação de sempre. Há um sotaque também. Mas ele não é o real vilão. Embora as frases pareçam vir de um irlandês.
Se as últimas frases pareceram um tanto esquisitas, é porque esta era sua função, demonstrar como o manejo ruim das palavras pode estragar completamente um bom texto. O que ele fala não é o problema — pois tudo que é dito vem da mesma fonte que o livro, não há palavra mal escrita — o ponto é como ele fala. Uma frase raramente vai dizer algo que será questionado pelo espectador, seu caráter informativo cumpre seu papel e leva adiante o conhecimento do diretor, e é exatamente por isso que a escolha do narrador é um pecado tão grande. O material é, além de interessante, bem compilado e completo, mas é como se escolhessem transmiti-lo por Morse em vez de por um método mais eficiente. Para piorar ainda mais a pronúncia monótona há um sotaque irlandês, que não seria problema se fosse lido por um ator treinado, trazendo consigo frases que sempre parecem terminar em oxítona, mesmo que a palavra em questão não seja. No final das contas o espectador é exposto a uma série de frases interessantes que parecem ser interrogações, um tom eterno do começo ao fim e um belo convite para uma soneca.
Não é como se a obra fosse dispensável por causa do narrador fraco, no entanto. O modo de abordar o conteúdo histórico é exatamente igual o do livro; o diretor procura buscar na história quais foram os movimentos, cineastas ou filmes que quebraram o padrão, que pegaram o que tinha sido feito antes e transformado em alguma coisa diferente. Esquema e Variação é o como ele chama esta abordagem em seu livro, quem variou o esquema que antes era padrão. Através desse método o espectador é levado de D.W. Griffith a James Cameron, do cinema mudo a era dos blockbusters, sendo exposto também a movimentos de países menos proeminentes no Cinema. Do meu ponto de vista, acredito que sua visão geral não deixa nada de fora, pelo contrário, passei a conhecer inúmeras obras e cineastas que nunca tinha ouvido falar antes. Não posso dizer, entretanto, que todo o conteúdo é igualmente interessante, pelo menos para mim; o meu interesse por um Noir clássico será sempre maior que por um filme indiano religioso, por exemplo. Para evitar propensões muito claras, o foco é bem equilibrado entre os quatro cantos do mundo; havendo pecado pelo excesso ao abrir o maior número de portas possíveis e assim dar ao espectador a oportunidade de decidir o que é mais interessante.
Outro detalhe que vale a pena ser mencionado é o fato do diretor ir atrás de diversos cineastas para dar voz a eles. Suas obras estão sendo citadas e comentadas, então dar oportunidade a estes mestres faz todo o sentido. É através delas, inclusive, que um contraste absurdo se forma entre o que se considera uma dicção normal e uma terrível. O pior é que não duvido que Mark Cousins tenha paixão pelo Cinema — a disposição para escrever um livro e uma minissérie são reflexos disso — mas sua voz não é algo que transmite esse sentimento minimamente. Artistas como Baz Luhrmann expressam com paixão o que realmente sentem por suas obras, explicando, às vezes, em detalhe o que se buscou atingir com uma sequência ou com o filme em geral. Momentos como este realmente fazem a experiência valer a pena, momentos em pode-se ver uma verdadeira extensão do material do livro. Ao menos a variação de vozes se mostra como um aditivo interessante.
Apesar de alguns detalhes, esta ainda é uma jornada repleta de conhecimento para quem estiver interessado. Só é uma pena que estes mesmo interessados tenham de fazer esforço para acessar o conteúdo, pois permanecer acordado com uma voz que procura disseminar o sono é realmente uma tarefa hercúlea.