Nirvana nunca foi minha banda preferida e não está entre as que eu mais escuto. Meu interesse para ver um filme sobre a vida de Kurt Cobain — das dezenas disponíveis — então, estava meio baixo na minha lista de prioridades. No entanto, um amigo falou tanto de um documentário novo sobre o cantor que tive de dar um jeito de assistir. O problema é que ele se referia a “Soaked in Bleach”, um longa-metragem focado na investigação da morte do cantor do Nirvana, não a “Cobain: Montage of Heck”. Para minha sorte, este foi o tipo de engano que resultou em algo melhor do que antecipado.
Aparentemente, não existem muitos atrativos aqui para chamar a atenção do espectador alheio; o longa trata-se de uma retrospectiva da vida de Kurt Cobain, nada mais que isso. Basicamente, este é o esqueleto de 90% das biografias por aí, todas estão mais para uma visão geral do que para um estudo de algum período de suas vidas. Mas como dizem, apresentação é realmente a alma do negócio pois contam uma história, mais ou menos, conhecida de modo que Kurt Cobain é trazido de volta do túmulo com todo o teen spirit que rodeia sua intensa personalidade.
Fotos e artefatos históricos são ferramentas comuns de cineastas quando se fala em Biografias. Se não houver registro cinematográfico, sempre vai existir alguma fotografia antiga para ilustrar a época, momento ou fase da pessoa em estudo. Se alguém quiser falar sobre as origens do Rock and Roll, por exemplo, e não tiver uma foto de “Bill Haley & His Comets” gravando “Rock Around the Clock”, poderá usar uma fotografia de um show deles que o efeito será praticamente o mesmo. Há outros casos em que o cineasta tem acesso a uma infinidade de bens pessoais e recordações para montar sua obra, desde rabiscos em cadernos a vídeos da infância, de gravações a shows ao vivo. A quantidade de materiais é absurdamente grande e, pensando bem, não é de se surpreender, pois essa é uma biografia autorizada de Kurt Cobain. Pela controvérsia estar sempre associada a Cobain e o Nirvana, também não é surpresa que muitos critiquem tanto a banda quanto seus ideais, sem contar o próprio mistério acerca da morte de Kurt; por estes motivos pode-se pensar que o material só seria liberado se as visões do filmes fossem controladas, de certa forma romantizando a trajetória do artista. Mesmo não sendo um especialista em Nirvana, acredito que essa suposição não é fato neste longa-metragem por ele apresentar certa sinceridade sobre os altos e baixos do artista.
Embora grande parte do motivo de eu ter gostado tanto desta obra seja minha identificação com a figura e ideais de Kurt, devo dizer que esse sentimento se deu pelo cuidado que tiveram com apresentação destes mesmos ideais. Este é um detalhe importante, pois não falo tanto em termos estéticos, que também são exímios, falo na composição do conjunto de todo o material. A diferença é que eu não teria sentido essa mesma identificação se tivesse dedicado tempo para ler a Wikipédia do cantor, por exemplo. A sensação vista aqui não é aquela de uma pessoa interessada devorando as páginas de um livro sobre alguém, mas sim aquela de uma criança descobrindo quem foi seu avô ao explorar os pertences dele. Variedade é a chave do sucesso aqui quando o material fala por si, exprimindo exatamente o tipo de coisa que parece ser verídico: um pensamento aleatório, um rascunho de música ou até uma resposta malcriada para um jornalista enxerido. Através de minúcias como esta, que isoladas podem parecer inúteis, constrói-se uma personalidade inteira, desde a infância rebelde até a fase adulta controversa e inconsequente morte.
Se uma anotação de caderno for usada, não usam ela literalmente. Vão além da comum tomada panorâmica e mostram a escrita quase do zero, reproduzindo a caligrafia e as rasuras como se tivessem sido escritas na hora — sem esquecer dos desenhos bizarros vindos diretamente de um graffiti de skatista. A impressão passada é que estamos de camarote para uma espiada na mente do cantor, uma tão viva e rica que não há nenhuma chance dela ser falsa. Para mim foi até melhor porque me senti conectado com a história de vida e com os vários conflitos apresentados, mais ainda por eles estarem de aparência tão boa. Até mesmo onde não existe conteúdo dão um jeito para preencher o vazio — não sem algum embasamento, obviamente. Se não há um vídeo sobre alguma cena, recriam tudo com artifícios criativos, como desenho animado ou animações variadas. Não há um momento de mãos vazias, essa é a garantia dada pelo diretor.
Se por um lado conhece-se Kurt Cobain de um jeito que a maioria provavelmente já esperava, controverso e selvagem, por outro temos um olhar muito mais rico que qualquer expectativa. Penso que se Brett Morgen, o diretor e roteirista, tivesse falhado em entregar uma obra decente, a culpa em suas costas seria ainda mais sórdida por conta da infinidade de coisas boas para construir a retrospectiva definitiva sobre o artista. Felizmente, isso não acontece.