“Goldfinger” não é o primeiro filme da franquia 007, nem o melhor da Era Connery, mas com certeza é o mais importante de toda a série. A primeira entrada, “Dr. No”, foi mais contida e sem muita emoção; a segunda, “From Russia With Love”, manteve uma pegada semelhante, porém melhorando aspectos gerais da obra. Quando chega a vez de “Goldfinger”, o terceiro longa-metragem em três anos de franquia, surge uma mudança grande no universo de James Bond, pois é com ele que a fórmula do resto dos filmes nasce.
Desta vez Bond (Sean Connery) é chamado para um novo trabalho enquanto tira férias em Miami. Um contato da CIA encontra James e comunica que Auric Goldfinger (Gert Fröbe), magnata do ouro e principal suspeito de estocar grandes quantidades do metal, está hospedado no mesmo hotel que ele. Eventualmente, é descoberto um plano que envolve todo o ouro dos Estados Unidos, uma bomba nuclear e um significativo impacto em toda a economia ocidental. Cabe novamente ao Agente 007 desvendar a situação e salvar o mundo, sempre com uma pausa para um Martini e uns amassos.
Até o lançamento deste filme não existiam os mandamentos de série, apenas alguns rascunhos dos elementos que aparecem maduros aqui. Haviam alguns utilitários curiosos, mas nenhum muito fora do comum; existia o vilão megalomaníaco, mas ele não era acompanhado de um capanga icônico. A única que não mudou muito com o tempo foi a Bondgirl, que varia entre a donzela em apuros e uma mulher forte. Mais do que estabelecer um padrão, este longa-metragem conquista este feito de uma maneira que poucas vezes foi rivalizada, pois até hoje o vilão Goldfinger e o capanga Oddjob estão os melhores vilões de toda a franquia. A essência do que viria a ser rotina nos anos seguintes pode ser vista em sua forma mais pura aqui. Um indivíduo com idéias mirabolantes e poder o bastante para colocá-las em prática, demonstrando excentricidade até em suas barbáries. O erro é se deixar levar e insistir em matar Bond com os métodos mais incomuns, o pequeno grande detalhe que o manteve vivo em mais de 50 anos de história.
Esta sobrevivência desordenada foi, inclusive, uma coisa que eu não havia considerado como algo negativo nas outras vezes que assisti a este longa, mas desta vez sim. Normalmente James Bond sobrevive de uma maneira estranha, sempre usando de suas habilidades para escapar de seus problemas. Por outro lado, o principal motivo pelo qual as encrencas aparecem aqui é a pura inexperiência ou burrice de 007. Eventualmente ele escapa, mas até mesmo os momentos de esperteza duram pouco quando seus erros acabam fazendo com que ele seja capturado novamente. Alguns detalhes são aceitáveis por serem características da série, como um vilão estupidamente forte, eu nem pensaria em apontá-las como críticas ao filme, porém outras são simplesmente mal pensadas.
A ação, um aspecto que eu elogio muito na série, me incomodou especialmente por ser má executada e eventualmente ferir outras partes do filme. Ainda que esta não seja a principal razão do meu descontentamento, ela resume bem o que eu sinto. Dar o clássico Aston Martin DB5 ao protagonista mostra não ser o bastante para criar uma experiência realmente épica. Nas mãos do Bond deste filme, o apetrecho tem bons e maus momentos em uma mesma sequência, por exemplo, uma parte interessante por usar alguns segredos do carro seguida por uma conclusão tosca. Isso, por sua vez, é produto do planejamento de quem quer que tenha desenvolvido as cenas de ação. Poderia dizer que James Bond é demonstrado como amador e burro, mas a verdade é que falta um pouco de carinho dos roteiristas em certos momentos. Ainda mais quando há uma grande gama de diálogos afiados, cenas marcantes e personagens peculiares compondo a porção de maior sucesso desta obra, não há ignorar o contraste de alguns momentos excelentes e outros inexplicavelmente simples.
São pequenos detalhes e outros maiores que funcionam tão bem aqui e justificam a posição de “Goldfinger” como o pai da série como ela veio a se tornar conhecida nos anos seguintes. Este foi o primeiro plano megalomaníaco de vilão da história de 007 e também um ótimo exemplo disso, algo que conseguiu combinar diversos elementos narrativos e técnicos em consonância para tornar toda a experiência tão mais impactante do que o que foi visto antes. “Dr. No”, por exemplo, sofre por falta de recursos na execução de idéias como equipamentos mirabolantes e a própria luta final contra o vilão, algo que nem de longe acontece aqui. “Goldfinger” tem o vilão principal, o capanga, a garota, o plano e a ambição. Os sets de Ken Adam são incríveis por demonstrar justamente quão longe o antagonista e, consequentemente, os próprios envolvidos na produção estão dispostos a ir ao trazer uma novidade atrás da outra. Carros com funções secretas, salas com móveis conversíveis em painéis e com botões escondidos, um esquadrão de aviões a mando do vilão e tudo mais. Os elementos conversam entre si, trabalham juntos para um resultado impactante.
Caso fosse bem executado em todas as partes igualmente, “Goldfinger” seria facilmente o melhor filme de 007 de todos os tempos; mas algumas falhas aqui e ali acabam fazendo com que ele ainda fique atrás de seu predecessor, “From Russia With Love”. O que se tem aqui é um misto de nostalgia, ótimas idéias e uma abordagem automaticamente clássica, aspectos que fizeram esta obra ser tão querida ao longo dos anos. Pensando bem, é difícil exigir que tudo fosse executado perfeitamente, uma vez que não havia repertório para tomar como referência; foi através da experimentação que uma qualidade mais alta foi eventualmente atingida. Como na maioria das coisas por aí, sempre há um espaço para aperfeiçoamento, fato que, felizmente, não impede que esta obra já seja extremamente satisfatória pelo que apresenta.