Entre o relativo sucesso de “Lincoln” em 2012 e “Bridge of Spies”, Steven Spielberg manteve-se longe das telonas por cerca de 3 anos. Com esta obra, o diretor continua sua moda de fazer filmes ambientados em tempos de guerra. “Lincoln” acontece nos tempos da Guerra Civil Americana; “O Resgate do Soldado Ryan” e “A Lista de Schindler” ficam mais à frente na Segunda Guerra Mundial ; enquanto “Ponte dos Espiões” escolhe a Guerra Fria. São abordagens diferentes, mas não há como não notar a tendência do cineasta de usar períodos de conflito como plano de fundo.
O próprio termo “conflito” pode ser usado, de certa forma, como um dos núcleos quintessenciais do Cinema em geral. Não importa se o personagem vive em uma galáxia muito distante ou na mesma cidade que o espectador, o detalhe que torna uma experiência banal em algo interessante é o conflito; alguma coisa que quebre o equilíbrio e faça com que a situação tome um rumo diferente. Este não é exatamente o tema mais importante aqui, mas acaba aparecendo como um foco secundário e dá profundidade a uma história que sofre de uma escrita previsível. O conteúdo ou o desenvolvimento não são, de forma alguma, desinteressantes, é a forma como a narrativa é estruturada que torna a progressão óbvia. Um pecado numa obra que se baseia fortemente no suspense e na manutenção da tensão do espectador. Curiosamente, os irmãos Coen e outro integrante foram os responsáveis pelo roteiro, entregando um produto que, embora longe de ser um lixo absoluto, não se equipara a seus bons filmes ou aos do próprio Spielberg.
O espectador é introduzido ao filme por meio de uma sequência de perseguição espetacularmente dirigida. Algo casual em conteúdo, sem envolver carros cantando pneus ou destruição alheia. Um homem percorre seu caminho no metrô enquanto um grupo de engravatados o persegue. Não se sabe bem quem está atrás de quem ou quais daqueles homens estão com boas intenções. Uma sequência que acerta justamente onde “The French Connection” erra, dado que ambos os filmes utilizam este mecanismo de perseguição a pé. Eventualmente, o homem é preso pelos indivíduos que o seguiam — agentes do FBI — e desmascarado como Rudolf Abel (Mark Rylance), um espião da União Soviética. Para mostrar ao mundo que o Oeste trata seus oponentes de maneira justa, o governo põe James Donovan (Tom Hanks) no cargo de advogado do diabo. No fundo, o colocam ali figurativamente, pois já havia uma decisão antes mesmo do julgamento. Donovan, entretanto, se recusa a assumir esse papel e faz o que pode para dar um julgamento honesto a seu cliente.
A história segue neste curso por boa parte do tempo, dando a impressão que este é outro drama de tribunal e eventualmente indo — um pouco — além disso. Para não revelar muitos detalhes, digo que a América não é o único continente visitado por Donovan. Ao explorar sua história além dos limites da sinopse, a equipe de roteiristas peca ao adotar um caminho artificial na condução do enredo. Um arco paralelo ao principal passa a ser desenvolvido em meados do segundo terço de filme, focando em personagens isolados do contexto dos protagonistas. Há algo estranho ali. Ao menos isso é o que querem que o espectador pense. Por mais que a ligação não seja tão óbvia no começo, fica bem claro o que pretendem com toda essa manobra. Este segundo arco simplesmente não possui a mesma profundidade do primeiro, levando o espectador a questionar seu real propósito e eventualmente desvendar o mistério não tão secreto. A conveniência não chega a ser descarada o bastante para constituir um deus ex machina, embora seja bem previsível.
Acredito que com a experiência adquirida ao longo dos anos, Spielberg poderia muito facilmente representar bem qualquer história. Não há dúvidas quanto a tal afirmação neste longa-metragem, onde há o resultado de uma parte técnica competente e um orçamento farto. O cuidado com roupas, cenários, objetos, carros e cores é notável. Não há uma vírgula sequer fora do lugar. Tomando por exemplo os tão utilizados ternos, vemos que, apesar de seu design aparentemente eterno, todos possuem traços característicos daquela época. Um corte diferente, um estilo de gravata e um par de suspensórios podem parecer apenas detalhes, mas em conjunto com outros pormenores eles constituem a fina parte visual. Posso estar constatando o óbvio para muitos ao elogiar a direção, mas crédito deve ir onde crédito é devido. O conteúdo aqui busca estabelecer tensão e suspense através de momentos de natureza calma, como uma conversa entre homens. Num destes papos, uma simples palavra mal entendida pode desencadear uma guerra nuclear, mas o material não ostenta sensacionalismo. Moderação esta que pode ser notada na direção firme e, consequentemente, nas atuações de Hanks e Rylance. Enquanto alguns gritam e se exaltam numa situação moralmente duvidosa, James Donovan mantém a pose módica de um advogado que busca apenas a justiça. Tom Hanks em sua melhor forma.
Caso o cuidado que foi tomado com detalhes pequenos fosse visto na estrutura do enredo, quem sabe este seria outro dos trabalhos soberbos de Spielberg. Em vez disso se tem um longa-metragem competente, mas que ainda tem de dar alguns passos para chegar no patamar de outras obras boas lançadas neste ano.