A carreira de Sidney Lumet como diretor é certamente uma das mais bem sucedidas de todos os tempos. Talvez não em termos de bilheteria, mas há diversos excelentes trabalhos em seu repertório, alguns deles se posicionando entre os melhores da história do Cinema. Após soltar sucessos como “Serpico” e “12 Angry Men“, o diretor mostrou com “Network” que seu talento não havia se esgotado de forma alguma.
A história aqui é simples, porém guarda sua riqueza nos detalhes. Enfrentando uma crise financeira, uma emissora de televisão tem conflitos de administração entre os empregados antigos e os novos, vindos da gananciosa empresa que adquiriu a estação. A velha guarda é fiel aos mandamentos da era de ouro da televisão, enquanto a nova gestão apenas se preocupa com sensacionalismo, alarde, lucro e estar no topo. Conforme a maré muda e os funcionários antigos deixam seus postos, um âncora conhecido sofre um colapso mental e anuncia que irá cometer suicídio em frente às câmeras. O que parece um escândalo do tipo ruim acaba se tornando um grande sucesso para o canal, que tem a maior audiência em anos de atividade. A ganância acaba falando mais alto e essa psicose emergente torna-se a nova matéria-prima de escândalos da emissora.
A imprensa já é um assunto bem abordado no Cinema. Alguns filmes tratam dele com agressividade, como “Ace in the Hole“, enquanto outros focam mais no indivíduo para passar sua mensagem, como em “Nightcrawler“, mas poucos analisam os bastidores de um gigante da televisão como aqui. Aliás, dizer que esta é a característica definitiva aqui é desprezar a profundidade do roteiro brilhante de Paddy Chayefsky. Trabalho, obsessão, paixão e trapaça são adjetivos comuns em slogans e frequentemente acabam usados em conjunto, especialmente nos da era clássica de Hollywood. Juntar tudo em uma frase seria em 1976 tão pretensioso quanto hoje, o que não impede que toquem em todos estes pontos organicamente por meio de um roteiro sucinto.
Se há um tema central em todas estas obras, este seria a maneira como o sofrimento do homem é transformado em objeto de exploração. Em todos os casos esta aflição é o combustível que alimenta os pistões da mídia, seja proveniente de um cidadão desafortunado ou de alguém dentro do próprio ambiente de trabalho. Ainda que o desenvolvimento de uma trama com este núcleo renda por si bons resultados, como foi mencionado, é interessante ver como este lado é explorado mais amplamente quando um elemento puramente humano é adicionado a esta fórmula. William Holden é quem carrega esta bandeira de sentimentalismo em uma interpretação inesperadamente tocante, representando o que sobrou de afável em um mundo impiedoso. Sua presença é uma afronta direta à personalidade quadrada de Diana (Faye Dunaway), uma pessoa que está bitolada a ponto de traduzir em termos televisivos os sentimentos mais primordiais do ser humano. O flerte se torna a introdução, a conquista o desenvolvimento, o orgasmo vira o clímax e o segundo coito a reprise.
Além de algumas boas sacadas, criadas com sarcasmo em momentos dramáticos, esta deformação de valores e sentimentos traz à tona também um tema oculto em meio desta rede de intrigas, como reforça o título brasileiro. Em um filme no qual a televisão e a mídia são apresentados como mecanismos antropofágicos — ou seja, que devoram o homem — é difícil pensar que há espaço para qualquer tipo de amor por tal veículo de comunicação. No entanto, existe um certo sentimento de nostalgia em relação ao que existiu antes, os ditos anos de ouro da televisão. Para os mais céticos, dizer que a impressão de que o passado parece ser melhor que o presente é uma interpretação válida; e até seria, caso a trama não estabelecesse um claro contraste entre os dois momentos. De uma forma inédita e acessível de entretenimento a televisão torna-se um meio de alienação de seu espectador. Um dia as coisas foram boas, um dia as pessoas foram mais humanas; esta moral acaba se tornando a parte doce em um filme essencialmente amargo.
É interessante, e triste ao mesmo tempo, ver como alguns temas se mantém atuais até os dias de hoje. Quase 40 anos depois do lançamento de “Network”, é bem comum ver alguns dos temas tocados aqui serem reproduzidos; seja a manipulação por parte da imprensa, a corrupção do ser humano ou o achatamento de sua personalidade. Claro que a televisão evoluiu muito nestes anos, fomos de “The Saint” a “Miami Vice” a “The Sopranos” e desde então muito material bom tem surgido; mas isto infelizmente não impede que alguns males permaneçam presentes.