Pouquíssimas pessoas não sentem nada quando são expostas a algo de seu passado. Maravilhoso ou traumático, alguma emoção acaba sendo exaltada. Embora não seja nenhuma novidade, resgatar lembranças é um mecanismo de catarse muito comum no cinema. Como efeito dramático sua efetividade varia muito de pessoa para pessoa, mas quando acertam o impacto é considerável. Por este filme direcionar sua catarse por meio da paixão por cinema do espectador, pode-se dizer que sua jogada foi uma aposta segura; mas isso não limita de nenhuma forma os acertos desta excelente obra do cinema italiano.
A história contada é a de Salvatore “Toto” di Vita, um homem de meia idade que passa a maior parte do tempo ocupado e indisponível. Um dia sua mãe, há 30 anos sem vê-lo, liga incessantemente para comunicar a morte de Alfredo (Philippe Noiret), o projecionista do pequeno cinema local. Assim que fica sabendo da notícia, Toto passa a relembrar de sua vida no vilarejo de Giancaldo, Sícilia, onde viveu por muitos anos e desenvolveu sua paixão pelo cinema com seu amigo recém falecido.
Se há uma palavra-chave que define bem este filme, esta com certeza é “Nostalgia”. Imagino que muitos espectadores deixem obras do cinema europeu passarem batidas, uma vez que a maioria recebe muito menos atenção que os lançamentos americanos. Se alguém esbarrou neste longa, tenho certeza que foi mais por causa de um amor pelo cinema do que por acidente. Ver um filme que mexe justamente com o motivo mais provável do espectador estar vendo-o em primeiro lugar é, como falei, uma aposta segura. Mas o que faz este longa-metragem brilhar não é saber que seu motivo é propositalmente familiar; o segredo está na maneira como esta obra trabalha o conhecido e o íntimo.
Não é apenas a paixão pelo cinema que faz com que o espectador sinta-se conectado com os personagens, além do carisma deles há também o detalhe da estrutura ser quase totalmente um grande flashback. De início somos introduzidos a um Toto velho e desanimado, mas logo essa personalidade dá lugar a uma criança elétrica e cheia de vida. Deste ponto em diante acompanhamos a vida do garoto cronologicamente, até o momento em que a história alcança o ponto em que começou. Seu personagem velho não é um grande exemplo de ser humano cativante, mas ver sua infância radiante faz com que, ao final do filme, o espectador sinta saudades daquele tempo que foi mostrado há não mais que uma hora atrás. Parece pouco tempo, mas do modo como a trama é conduzida sente-se que faz uma eternidade que a ingenuidade fazia parte da rotina. A aposta de antes não é mais tão segura assim, a qualidade é tanta que não importa mais se existem similaridades entre os personagens da tela e quem assiste, existe um sentimento compartilhado pela mesma coisa: a infância de uma pessoa fabricada especialmente para o cinema.
O elo fraco desta nostalgia forte é, por vezes, a interpretação geral do elenco. Alguns atores entregam performances realmente satisfatórias, como é o caso de Philippe Noiret. Sua performance é competente, carismática e profunda na medida certa para que o personagem não roube a cena demais. Como resultado temos um velho cinegrafista simpático e certamente o melhor personagem de todo o filme. No entanto, esta mesma objetividade peca pelo excesso e mostra-se como um ponto negativo no personagem de Toto e suas várias faces. Sua fase como criança é de longe seu melhor momento, pois não há porquê criticar uma atuação tão espontânea como a de Salvatore Cascio. Mas tão logo que a criança torna-se adolescente e eventualmente adulto, seu encanto esvai junto com a espontaneidade de antes. Sua fase como adolescente não mostra muito mais que um garoto apaixonado, enquanto sua fase adulta mostra para o espectador apenas um homem introvertido e pouco amável. Por sorte, Alfredo está por perto como um necessário suporte quando o protagonista passa a não ser mais tão interessante. Contudo, falar que apenas Alfredo serve como suporte é um ultraje perante a espetacular trilha sonora de Ennio Morricone, um dos melhores trabalhos de toda a sua carreira sem dúvida alguma. Dizer isso de Morricone é quase um clichê hoje em dia, mas a graça das melodias leves deste filme é algo que hoje em dia raramente se encontra e que merece comentário.
Outra grande obra do cinema italiano mostra que há qualidade a ser encontrada do outro lado do Atlântico. Claro que Fellini e Antonioni já haviam mostrado isso anos antes, mas é interessante ver que décadas após o auge destes cineastas ainda existem bons diretores honrando seus magníficos trabalhos. Nostalgia, lembranças e passado são as ferramentas usadas por “Nuovo Cinema Paradiso” para criar uma experiência incrível, sustentada por uma das melhores trilhas sonoras de todos e uma familiaridade que sem dúvida tocará o espectador através de seu amor pela sétima arte.