Conforme o lançamento de “Southpaw” se aproximava, os rumores que este seria o filme de boxe definitivo se tornavam mais frequentes. Após o lançamento, algumas pessoas traçaram paralelos entre a carreira de Jake Gyllenhaal e a de Martin Scorsese, —dizendo que “Nightcrawler” estava para “Taxi Driver”, enquanto este longa estava para “Touro Indomável“— comparação vagamente válida apenas para termos de temática. Este longa não é o substituto de “Rocky” como referência de filme do estilo, longe disso, há um bom caminho até que o título de Balboa esteja em real perigo.
Essencialmente uma história de queda e ascensão, logo somos apresentados a Billy Hope (Jake Gyllenhaal), atual campeão de boxe da categoria meio-pesado. Recentemente vitorioso na defesa de seu título, Hope desfruta com sua esposa Maureen (Rachel McAdams) uma vida de riqueza regada à carros caros e mansões. Mas uma bala perdida decorrente de uma briga em um evento beneficente acaba tirando a vida de Maureen, levando o boxeador ao fundo do poço. Não demora para que sua carreira siga o mesmo caminho e ele fique sem dinheiro, trabalho, família e propósito. Procurando voltar aos eixos, Billy busca a ajuda de Tick Willis (Forest Whitaker): o treinador do único lutador a derrotar Hope no ringue.
Dos problemas desta obra, o mais evidente é o fato de não haver absolutamente nada de novo diante do que se conhece das histórias de boxe. Pior ainda, há pouca ou nenhuma variação do que se conhece, ao contrário dos que apontaram este longa como uma mistura do melhor de “Rocky” e “Raging Bull“. Não há novidade nenhuma para quem tenha visto qualquer história de superação, tudo parece bastante formular. Normalmente costumo criticar filmes por apresentarem seus eventos de modo conveniente demais para a execução do roteiro. Neste caso acontece o contrário, a sequência de tragédias do lutador é até muito inconveniente, exigência para que a história siga em frente. Não se sabe exatamente quanto o boxeador possui de fortuna, mas é mencionado que ele ganha algo em torno de 10 milhões de dólares por luta. Após o infortuno incidente com sua esposa, o trem descarrilha completamente, como se os freios da locomotiva falhassem em uma curva desnivelada e sobre trilhos congelados. De uma hora para outra, as contas atingem valores absurdos e as economias deixam de existir. O atleta vai do luxo ao lixo em dias.
A única coisa que se mantém palpável neste curso de desestabilização é o personagem de Gyllenhaal, que apresenta o processo solidamente com uma atuação espetacular. Ao passo que sua vida se transforma diante de seus olhos, o personagem encara os diversos estágios do luto em um processo organicamente apresentado. Mais que apenas superar um trauma, Billy Hope tem de enfrentar seus próprios demônios; sua própria personalidade destrutiva, o combustível de suas paixões, é posta em teste. Para recuperar sua família, seu prestígio e sua carreira, o lutador deve mudar seu modus operandi, a raiva deve dar lugar à disciplina e ao pensamento racional.
Neste ponto entra Forest Whitaker como o treinador que muda a vida de Billy, algo como Mickey foi para Balboa. A história finalmente passa da longa parte de perda e sofrimento, algo que toma no mínimo metade dos 124 minutos de duração, e vai para a reabilitação e ascensão da vida de Hope. Merecem destaque as atuações de Gyllenhaal e Whitaker por, em mais de uma ocasião, brilharem onde a história falha em empolgar. Billy Hope é todo maculado, quase a ponto de ser sequelado: sua fala é enrolada, o pensamento descontínuo e sua cara está frequentemente arrebentada; o pouco de originalidade visto nesta obra se encontra na interpretação de Jake Gyllenhaal. Em texto, a descrição parece ser o estereótipo de qualquer lutador do cinema, porém a construção realizada com estas características é competente a ponto de não ser facilmente comparada. O desenvolvimento do personagem pelo roteiro também contribui muito para que dedos não sejam apontados e comparações errôneas sejam criadas, ainda que o contexto seja quase um outro “Rocky III”. Muito deste desenvolvimento deve muito ao desempenho de Whitaker em seu papel suplementar ao protagonista, criando uma relação interessante entre treinador e pupilo. É um modelo de relacionamento apresentado mais vezes que se pode contar, mas é difícil se cansar da relação pai-filho quando ela está em tão boa forma.
Arrastando-se um pouco na parte de mostrar como o protagonista perde tudo e sofre, o filme toma fôlego novamente quando a ascensão tem início, culminando em um evento que todos esperavam: uma luta de boxe de épicas proporções. Neste ponto e em outros, como o comportamento destrutivo e o treinador icônico, esta história não parece ser nada diferente ou melhor do que foi visto antes. Robert De Niro passou por maus bocados na obra de Scorsese e Sylvester Stallone superou obstáculos 6 vezes no cinema. Com tantas referências, “Southpaw” ainda manteve-se em um meio campo onde não há mudança, nem melhor execução do que foi feito no passado, característica que impede esta obra de atingir novos patamares.