Possivelmente uma das obras do cinema mudo mais famosas atualmente, este é mais um daqueles exemplos de filme que falharam em seu lançamento e conseguiram reconhecimento posterior. Na maioria dos casos, filmes mudos costumam sofrer de um mal por conta de sua estrutura, considerada por mim um tanto arcaica hoje em dia. No entanto, isso não classifica filmes mudos como péssimos automaticamente, pois há muitos exemplos de qualidade. O que acontece é que o pente fino passado nessas obras é ainda mais rigoroso, separando melhor os bons dos ruins.
Johnnie Gray (Buster Keaton) é um maquinista com apenas duas paixões: sua locomotiva chamada “General” e sua noiva Annabelle (Marion Mack). Gray desembarca na cidade de Marietta para ver sua amada, mas tão logo que o mesmo chega na casa de Annabelle a Guerra Civil estoura, levando todos os jovens da cidade a se alistar para o exército. Johnnie Gray vai na onda do resto dos rapazes e tenta ser o primeiro de todos a entrar pro exército, mas acaba tendo seu alistamento recusado logo de cara. Dando uma de cão arrependido, o maquinista tenta explicar sua situação para sua mulher, mas acaba sendo rejeitado e acusado de covardia. Um tempo depois de perder sua noiva, Gray tem sua locomotiva roubada; mas desta vez ele não vai deixar passar barato, fazendo de tudo para consegui-la de volta.
Com uma trama relativamente simples, chega a ser impressionante como conseguem desenvolver uma história tão concisa ao longo dos 78 minutos de duração. Traçando uma comparação grosseira, este pode ser considerado como um dos precursores dos filmes de perseguição, mais recentemente representados por “Mad Max: Fury Road“. Boa parte deste longa-metragem é composto pelo protagonista em busca de sua preciosa locomotiva, tudo regado ao típico humor da época. Esta comédia, por sua vez, é facilmente comparável ao trabalho de Chaplin; usando do típico modelo do personagem trapalhão, que tropeça seu caminho até seu objetivo. Enquanto esta é uma estrutura bem manjada atualmente, ela se mostra curiosamente competente aqui.
Longe de aplicar este esquema do protagonista trapalhão como algo perto da galhofa, esta obra trabalha muito bem com o material que tem, e faz desta experiência algo engraçado e de qualidade. Por ser um filme mudo que caiu no domínio público, muitas versões deste longa acabaram lançadas. Sem ter que pagar direitos autorais, várias distribuidoras lançaram esta obra com qualidade e trilhas sonoras diversas, a última frequentemente estando fora de sintonia com as imagens mostradas. Entretanto, a cópia do Netflix que assisti estava em ótimas condições, tanto a imagem quanto o som. Sendo a trilha sonora algo essencial para o aproveitamento de um filme mudo, devo dizer que neste caso a dedicação da distribuidora responsável foi notável, pois a música está de completo acordo com a imagem em questão. Em partes onde efeitos sonoros são inexistentes, um inteligente uso é feito da música de fundo, que em mais de uma ocasião complementa perfeitamente as ações dos personagens.
Mesmo com a trilha sonora tendo um papel notável, não falar sobre a parte principal deste filme é um ultraje. Com um humor competente, cenas criativas, e um roteiro enxuto, é difícil colocar defeitos no que é apresentado. Nenhuma cena é de tirar gargalhadas, mas o clima leve criado pela engenhosidade de muitas sequências faz muito pela qualidade vista aqui. Claro que considerando as limitações da época, este longa-metragem vai se mostrar ultrapassado em quase todos. Numa era de filmes sem som, quem dera computação gráfica, é também explícito como muitos elementos são primitivos quando vistos hoje. O roteiro, por exemplo, é bem construído o bastante para ligar todos os pontos de uma simples história; porém hoje certamente seria tratado como conveniente e simplificado demais. Tendo em vista que os sucessos não se limitam à aspectos técnicos, é fácil ver este filme como uma experiência agradável, se o mesmo não for visto com um olhar preconceituoso.
Com um humor bem equilibrado, boas doses de criatividade, e uma incrível capacidade de ser competente quase um século após seu lançamento, “The General” mostra que para se fazer um bom filme não é necessário um arsenal de tecnicalidades. Aqui o talento e dedicação de Buster Keaton como ator e diretor são o bastante para render um bom entretenimento.