Sem dúvida um dos filmes mais controversos de todos os tempos, “Cannibal Holocaust” chegou a levar seu diretor a ser preso, acusado de ter assassinado seus atores por sensacionalismo. Curiosamente, no contrato das supostas vítimas havia uma cláusula em que os envolvidos não deveriam aparecer em qualquer tipo de mídia por 1 ano, para manter a impressão que o filme era real. Isso só piorou o caso de Ruggero Deodato, levantando questões sobre o porquê do elenco ter sumido de repente. Eventualmente o mesmo absolvido de qualquer acusação, embora sua licença como cineasta permaneceu suspensa por meses. Por essas e outras, como brutalidade animal, o filme foi imediatamente banido em seu lançamento; banimento este que se mantém até hoje em diversos países.
A trama é simples, uma excursão de jovens amigos se reúne para gravar um documentário sobre as selvagens tribos indígenas da Amazônia. Após meses sem dar notícias, a equipe é dada como desaparecida, e possivelmente morta. Para procurar os jovens, ou ao menos salvar o material que gravaram, outra equipe é organizada, contando com o professor Harold Monroe (Robert Kerman) na liderança. Ao encontrar apenas os restos mortais da primeira expedição, o professor retorna com as gravações feitas pela equipe, que mostram-se mais reveladoras que o esperado.
Inicialmente o que é mais intrigante neste filme é sua fama de ser um dos mais violentos da história; o bastante para chamar a atenção de um apreciador do gênero Terror. Mas diferente de um Slasher, onde a violência é frequentemente acoplada à criatividade para proporcionar entretenimento, este filme é famoso por tentar fazer do seu violento algo realista. Não que os efeitos de um Sexta Feira 13 sejam cartunescos, mas é explícito que o filme não tenta ser qualquer coisa diferente de ficção. Neste caso, a violência exacerbada e detalhada é posta em conjunto com uma fotografia realista, que tenta simular um documentário. As imagens são fortes e seu impacto é assegurado pela qualidade dos efeitos especiais; isto é, até o momento onde cruzam a linha entre simulação e prática do ato em si.
Até o ponto onde esta obra mantém sua frenesi sanguinária limitada a maquiagem e efeitos visuais, o resultado pode ser apreciado sem problema nenhum. As já intensas sequências de violência funcionam perfeitamente com a fotografia propositalmente amadora, com direito a câmera trêmula e ângulos incomuns. Não há sensacionalismo pretendido nas filmagem das imagens, as mesmas são capturadas tão não-profissionalmente que o efeito sujo resultante é de um caráter singular. Mas enquanto a fotografia acerta em não ostentar pretensão, seu conteúdo diz absolutamente o contrário. Chocar o espectador e fazer um uso inteligente do formato documentário é onde este longa metragem acerta, e apenas isso. Até este ponto duram os sucessos deste filme, pois de resto seu conteúdo é totalmente dispensável.
À partir da hora que o diretor passa a se preocupar mais com o choque alheio que com seu enredo, o filme desanda completamente. Não digo que certa parte do longa-metragem está livre disso, pois ele contém essas extravagâncias desde o começo; porém separando o aproveitável do descartável, pode-se dizer que o assassinato de animais de verdade ultrapassa a linha do aceitável com certa folga. Acredito que quando a morte de algum animal seja importante para o enredo, a mesma não deva ser descartada por ser uma idéia controversa. Entretanto, a indústria do cinema disponibiliza milhares de recursos para enganar o espectador e fazer parecer que tal ato foi cometido. Quanto tartarugas, porcos, macacos, e outros animais são mortos gratuitamente, esta obra perde a linha e com isso qualquer credibilidade que tinha. Indo além de causar discórdia alheia, tais atos não terem nenhum valor para qualquer que seja a mensagem deste filme é no mínimo enfurecedor. O que nos leva a refletir sobre o que o diretor tenta passar com tudo isso, será uma crítica à mídia sensacionalista? Um trabalho de contraste entre duas sociedades?
No fim das contas, este filme está tão afundado em controvérsia e sensacionalismo, que mal se consegue resgatar algum significado palpável de toda a experiência. Quando o gosto ruim delonga sua presença o bastante para manchar quaisquer acertos consequentes, fica difícil não enxergar outros aspectos péssimos. Um deles é facilmente exibido na trilha sonora, que com sua insistente inconsistência não decide se está mais para a tranquila guitarra dedilhada de “The Deer Hunter“, ou para os tambores tribais reproduzidos através de um sintetizador de quinta categoria. Dentre os possíveis significados, é difícil aceitar que tenta-se criticar qualquer tipo de mídia exploradora, ainda mais quando este trabalho se resume a basicamente explorar o choque através da violência. Em outra visão, se tem uma mensagem mais clara e igualmente mal desenvolvida. Com hipocrisia e má execução para oferecer, aproveitar este filme com qualquer olhar diferente da apreciação visual é uma tarefa no mínimo hercúlea.