Seguindo a mesma linha estabelecida pelos filmes Noir das décadas de 40 e 50, “L.A. Confidential” atualiza algumas características do gênero enquanto mantém a essência que fazem de tais obras tão icônicas. Este filme é baseado na obra literária homônima de James Ellroy, sendo o livro parte de uma quadrilogia situada na Los Angeles dos Anos 50. O filme também conta com dois atores relativamente desconhecidos na época, Russell Crowe e Guy Pearce, que mais tarde estrelariam em filmes de grande sucesso.
Tomando como base alguns dos diversos escândalos do Departamento de Polícia de Los Angeles, como o Natal Sangrento e o Goon Squad, este filme aborda em específico três policiais de Los Angeles. Extremamente diferentes uns dos outros, os três mostram-se igualmente eficientes, cada um de seu modo. Enquanto Bud (Russell Crowe) prefere usar a força bruta para conseguir o que quer, Big V (Kevin Spacey) usa de seus contatos externos e de sua esperteza para manipular seu caminho até seu objetivo, já Exley (Guy Pearce) prefere se ater às regras e jogar limpo a qualquer custo. Em meio de vários tumultos, um crime em específico levanta mais sobrancelhas que deveria. Aparentemente simples, tal caso logo revela uma rede de mentiras que vai mais longe que qualquer um dos três oficiais poderia prever.
De longe uma das qualidades mais sobressalentes que este longa resgatou do Noir foi a qualidade e caráter do enredo. A trama inicialmente não exibe muito além de cenas interessantes e eventos intrigantes, mas logo vai mostrando seu lado complexo e envolvente. Como numa teia, o que começa como apenas uma pequena fração do todo sem demora se mostra ligado a muitas outras partes invisíveis inicialmente; um pequeno evento torna-se estopim para outros maiores ou revela ser parte de um esquema maior desde sempre. A mais notável diferença estaria contida na falta de acidez e audácia dos diálogos, aspecto que rendeu tantas frases marcantes do gênero em mais de uma ocasião. A qualidade dos mesmos não é nem de longe ruim, mas também não é icônica o bastante para ser lembrado como suas contrapartes de décadas antes.
Para compensar essa falta de imposição nas falas, uma abordagem diferente é usada para manter a atmosfera intensa do Noir. Enquanto muitas das mencionadas obras Noir antigas usavam das palavras para conduzir o filme, não só através do conteúdo verbal mas também de como estes eram vocalizados, este longa usa dos movimentos dos atores e da ação para transmitir esse sentimento de ousadia. A grande maioria dos movimentos e das cenas agitadas são executadas com certa surpresa, a sensação de atrevimento contida nas palavras se nota aqui através de um tiro abrupto, de um murro repentino, ou até mesmo de um assassinato súbito. Embora isto funcione como mágica em diversos momentos, criando inúmeras sequências tão marcantes como um discurso bem entregue, em momentos ele acaba sendo um pouco demais para acreditar. Mesmo na Los Angeles tomada pela corrupção e pelo crime, fica difícil de acreditar que quebrar os dentes de um político funcionaria tão bem como se fosse executado em um bandido. Em vez de medo e cooperação, certamente o agressor receberia um processo e uma dor de cabeça legal pelo resto da vida. Infelizmente a violência não é a solução para todos os problemas como este filme tenta nos fazer engolir.
À parte do show que é o enredo, temos outro espetáculo que arrisco dizer que se iguala em termos de excelência. Ter tipos diferentes de policial pode ser mais uma visão do clássico policial bom e policial mau, mas francamente não é o que o filme transmite. Claro, em teoria temos os dois tipos aqui mais um terceiro elemento cinza, mas a maneira como cada um trabalha e se envolve nos esquemas é no mínimo instigante. Ao contrário do clássico exemplo onde o tira bom é parceiro do mau, aqui os três não necessariamente trabalham juntos, embora estejam igualmente dentro das tramóias mostradas. Ver de que jeito cada um é manipulado, usado, descartado, e como consequentemente reagem soma para uma experiência lotada de surpresas e intrigas, exatamente como um fã do gênero esperaria.
Seja distribuindo fraturas ósseas à exaustão, manipulando fontes externas, fazendo as coisas convenientemente acontecer, ou dedurando seus colegas de profissão, este filme agrada muito em quase tudo que se propõe. As cenas de ação e as sequências mais movimentadas são uma adição interessante embora por vezes conflitante com a realidade, ultrapassando até mesmo a barreira do possível dentro daquele universo, mas ainda assim entregando uma emoção atrás da outra. Uma ótima experiência cinematográfica, tanto para quem já é familiar aos trabalhos Noir dos Anos 40 e 50 quanto para os espectadores de primeira viagem.