Como será o tão falado gosto da vingança? Será realmente um prato que se come frio? Não saberia responder essas perguntas, mas tendo em vista que vingança é um tema recorrente nos filmes coreanos, creio que dê para ter uma boa idéia. Outro grande sucesso abordando este tema é entregue com “Eu Vi O Diabo”, obra que mistura elegantemente elementos do Terror e do Suspense com uma trama forte e cativante. Melhor que isso, a sintonia entre a intensidade da trama e o conteúdo altamente gráfico dá um charme a mais ao filme. Diferente dos filmes de terror dos Anos 80, aqui a violência não é simplesmente gratuita, há um valor semântico além do choque em si.
Um conto sobre fortes emoções e mentes perturbadas, este filme apresenta os eventos decorrentes do assassinato brutal de uma garota. Após ter um problema com seu carro, a vítima é esquartejada por um assassino e tem seus pedaços despejados pela cidade. Quando o corpo é descoberto, o agente do serviço secreto coreano Soo-hyeon (Byung-hun Lee), noivo da garota, parte em busca de vingança. Querendo fazer o criminoso sofrer tanto quanto sua noiva sofreu, o agente passa a jogar um jogo de caçador e presa com o assassino, no maior estilo Frank Castle.
Min-sik Choi continua fantástico como esteve em “Oldboy“, atuando como o maníaco psicopata da vez. Sua demonstração dos sentimentos crus de uma pessoa beirando a insanidade se encaixa perfeitamente neste filme. No mundo cão representado neste longa, sua interpretação insana e eufórica é mais do que apropriada. Em conjunto com a atuação negra de Byung-hun Lee, forma-se um embate curioso. O maníaco psicopata que estupra e mata por prazer contra o homem quebrado que usa de sua vingança como combustível: Qual dos dois é menos errado? Até que ponto levar a vingança adiante é aceitável? Quem realmente vence no final das contas? Estas são apenas algumas das questões levantadas pela trama, mergulhando de um jeito sombrio nos limites da moralidade. Abordadas sutilmente ao longo da progressão da história, os temas vão surgindo naturalmente e não são frequentemente verbalizados pelos personagens. Mesmo quando as idéias chegam a ser proferidas verbalmente, elas não geram surpresa nenhuma pois muito antes já vinham sendo construídas. Tornando assim a revelação apenas um reconhecimento em vez de novidade.
No que se refere aos temas morais deste filme, não há muito espaço para inventar idéias novas, o que não é necessariamente ruim. Usar o clichê e o comum não é de forma alguma prejudicial, caso for bem aplicado. É o que acontece aqui, onde a moralidade abordada não é inovadora e nem tenta ser, mas cumpre excelentemente o que se propõe a fazer. O conteúdo altamente gráfico fala muito sobre onde o filme quer chegar, diferente de mostrar violência apenas para satisfazer os fanáticos por gore, aqui temos a violência como representante dos limites atingidos pelo lunático assassino. Servindo como complemento a atuação dos atores, o sangue em demasia é a reflexão clara de quão fundo no buraco os personagens chegaram.
O único problema que realmente pude notar aqui foi em relação a narrativa. Os fatos brutos são facilmente identificáveis e é muito difícil se perder completamente na história, mas alguns detalhes acabam se perdendo. Esses detalhes, embora não tão relevantes para entender a trama, passam batidos em vários momentos e por vezes fazem a diferença na hora de identificar um personagem ou uma situação. No fim das contas tudo faz sentido, porém a falta de entendimento de algumas coisas gera uma assombração. Não uma que vá assombrar os sonhos do espectador durante a noite com sangue e violência, mas uma que passa a impressão de que algo importante foi perdido nisso tudo. Some isso a um diálogo em coreano e uma legenda não muito confiável e se tem uma dor de cabeça. Felizmente, essa é uma obra sensacional o bastante para ser revista várias vezes, então resolver este problema não é lá uma tarefa hercúlea.
Novamente uma obra de vingança do cinema coreano não deixa a desejar nem um pouco. Acho meio injusto querer comparar este filme a “Oldboy“, pois a maneira como ambos são desenvolvidos é bem diferente, mas apesar disto arrisco que dizer que “Eu Vi O Diabo” é tão bom quanto. Uma trama relativamente simples, mas executada de maneira excelente é apenas parte do que compõe essa obra. Mesmo com alguns detalhes perdidos no caminho, esse longa compensa muito bem tais falhas. Atuações exímias, temas morais sombrios, e violência explícita enriquecem muito a experiência, entregando um dos melhores filmes coreanos de todos os tempos.