Brilhando não só no gênero Noir como também na Comédia, Billy Wilder faz questão de cimentar sua fama de grande cineasta através de suas ilustres conquistas em campos diferentes. Obras primas como “Sunset Blvd.” e “Double Indemnity” apontam uma perícia singular do diretor no manuseio do Noir, ao passo que a qualidade de “Some Like it Hot” fala muito sobre sua flexibilidade em terreno novo. “The Apartment” traz mais de seu sucesso do passado em marcantes traços da escrita de Wilder. Dividindo espaço com algumas gargalhadas irresistíveis, pungentes ganchos criam tensão sem igual numa obra que dança suavemente entre Noir e Comédia.
A história contada é a de C.C. Baxter (Jack Lemmon), apenas mais um empregado de uma grande empresa de seguros. Para tentar se sobressair dentre os outros 32.000 funcionários, Baxter empresta seu apartamento ao pessoal de alto escalão na esperança de que isso ajude com sua carreira. Mas quando as ambições dele começam a entrar em choque com seu desejo de um cargo melhor, ele se encontra numa situação apertada. Baxter terá de decidir o que é mais importante em sua vida e encarar as consequências imprevisíveis de seus atos numa corrente de altos e baixos, de euforias e infelicidades.
Misturar dois gêneros bem diferentes parece uma proposta falha desde seu nascimento. Como pode ser possível misturar a alegria e o absurdo cômico da Comédia com o a entonação pesada de um Drama trágico? Podendo ser classificado tranquilamente como uma comédia negra, sem se manter completamente no humor ou na tragédia, “The Apartment” mistura elegantemente partes de dois mundos em uma coisa só. Sempre por perto está uma oportunidade para mudar de gênero — e de tom, consequentemente — através de apenas um pequeno ajuste. Simples escolhas em dados momentos-chave deixam no ar a ameaça de mudar tudo completamente: um final feliz pode ser transformado em algo mais tragicamente realista; ao mesmo tempo que, em dois toques, a vida pode voltar a sorrir de volta aos personagens. Mas tudo não é apenas uma masturbação técnica ou um produto de uma mente que fantasia demais. A engenhosidade de Billy Wilder estabelece um clima de tensão, o perigo de perder o chão não deixa o espectador relaxar porque o próximo passo pode ser em falso. Em termos de imprevisibilidade, funciona belamente.
Ao falar sobre uma comédia negra, é um pouco difícil ter sentimentos claros sobre o que é transmitido. Por um lado, o diálogo e as atuações dizem que qualquer problema da vida pode ser resolvido com um balde de água fria e uma xícara de café. Em contraposição, as direções tomadas pela trama aponta que talvez o buraco seja muito mais embaixo. Pelos temas abordados serem tão divergentes, manipulá-los mal não seria tarefa difícil. De alguma forma, o pessimismo de uma vida em preto e branco junta-se adequadamente com o lado bom da existência humana. Uma tentativa de suicídio é amenizada por um diálogo leve; um Baxter animado traz um pouco de brilho à vida quebrada da jovem Miss Kubelik (Shirley MacLaine). Mesmo sendo uma pessoa que trata de seus problemas sem esquentar a cabeça, é complicado não sentir pena de um sujeito como Baxter e seu cotidiano cheio de miséria. A dualidade incisiva mostra-se crucial ao nunca transmitir nenhum lado da história muito intensamente, o que diz sobre a vida do que é inicialmente aparente. Talvez os dias não sejam todos ensolarados ou todos nublados; quem sabe o simultaneidade orgânica dos momentos bons e ruins esteja na essência desta estrutura ímpar de Billy Wilder em “The Apartment”.
Não há muito a se falar sobre o resto dos elementos que não sejam de praxe de Wilder. A esperada qualidade de seus outros filmes aparece também em “The Apartment”. O diálogo se supera a cada nova frase, mantendo renovado o humor que surge ora ingenuamente, ora como um humor negro. Entretanto, há um certo ar de que falta alguma coisa neste filme. Talvez seja por conta de alguns dps traços de comédia, aqueles que não funcionam tão bem e soam um pouco superficiais demais. É complicado esperar um desenvolvimento de personagem complexo em uma comédia, mas justamente pelos traços mais sérios estarem presentes, esperei um pouco mais de profundidade. A atuação de Jack Lemmon pode parecer um pouco esquisita inicialmente, exagerada e fora de tom com as partes mais sérias do longa. Com o tempo, acostuma-se melhor à postura quase caricata. Sendo, efetivamente, a principal fonte de humor do filme, cabe a Lemmon carregar com sua atuação este fardo nas costas. Por sorte, não há reclamações quanto ao lado engraçado e mais leve de sua personalidade. Sua atuação ingênua e exagerada transmite com sucesso a imagem de um garoto vestindo terno, outro importante contraste de Wilder. Vestir roupas de homem, trabalhar num grande escritório e receber um troco no final do mês não torna ninguém adulto ou maduro. Apesar das circunstâncias, ele ainda é uma figura jovial largado aos cães num mundo imperdoável.
“The Apartment” pode não ser o melhor filme de todos os tempos ou a melhor atuação de Jack Lemmon, como costuma se ler por aí quando dizem que seu Oscar deveria ter vindo com este filme. É a singular estrutura da história que posiciona o longa entre os mais únicos da história do cinema. Poucos conseguem ser imprevisíveis o bastante para não cair nas convenções de um ou de outro gênero.A chance da próxima cena acabar com toda a alegria ou elevar os ânimos subitamente torna tudo mais dinâmico. Mesclar os elementos sórdidos do Noir com a jovialidade de uma Comédia forma uma combinação incomum, mas que funciona perfeitamente bem nas mãos de um mestre destes dois gêneros.