Tomando como material base o livro de mesmo nome escrito por Davis Grubb, “The Night of the Hunter” é a adaptação cinematográfica da obra publicada em 1953. Estrelando Robert Mitchum como o vilão da história, este papel foi um dos primeiros a quebrar o padrão de papéis do ator, que normalmente estrelava como herói durão ou vítima. Mal recebido pela crítica e pela audiência na época, este foi o primeiro e último trabalho de Charles Laughton como diretor. Ao longo dos anos, esta obra foi ganhando mais e mais apreciação, até ser considerado um dos melhores filmes da história e um ícone do Film-Noir.
Os eventos envolvendo uma família do interior dos Estados Unidos são abordados como foco principal. Quando o homem da casa vai para a cadeia por roubar um banco e matar duas pessoas no processo, seu filho fica encarregado de esconder o dinheiro roubado pelo pai até que fique velho o bastante para usá-lo. Sem o marido e pai, a esposa e os filhos passam por uma situação difícil em casa, forçando a mãe a trabalhar para sustentar a casa. Ao ficar sabendo do segredo, um fanático religioso chamado Harry Powell (Robert Mitchum) tenta se infiltrar na família para roubar o dinheiro para si.
Mais do que qualquer outra coisa presente neste longa-metragem, dois elementos se sobressaem mais explicitamente que outros: a atuação de Robert Mitchum e a fotografia. Ainda que outros aspectos sejam bem manuseados, estes não ganham tanto destaque quanto esses dois. Podendo ser considerado um estudo de moralidade, o filme faz um trabalho deveras magnífico ao manipular o conceito de certo e errado paralelamente entre a disposição de cores na tela e os comportamentos dos personagens envolvidos.
Tomando como inspiração o cinema expressionista alemão dos Anos 20, o diretor Charles Laughton faz uso de um preto e branco de contraste altíssimo entre os tons na tela, diferenciando muito claramente os tons de cinza uns dos outros. Dessa forma, Laughton entrega uma das demonstrações mais impressionantes da história do uso do preto e branco. Esse uso de tonalidades mais fortes também está representado no jogo de luzes, que com frequência brinca com a aplicação de sombras em diversas cenas, indo de uma simples projeção à distância até a exibição de silhuetas. Técnicas manuseadas com sucesso na hora de amplificar o drama, ampliando ainda mais a evidência dos pontos já explícitos apresentados na história.
Além de brincar com luzes, sombras, e cores para entregar imagens maravilhosas, muito do significado desses manuseios espertos está na própria caracterização dos personagens. Da mesma forma como é visto em outras obras do cinema, e até mesmo no senso comum, cores mais escuras costumam ser associadas a uma índole ruim de algum indivíduo ou de um grupo, enquanto a luz e cores claras representam a pureza e o bem. Mesmo que tal jogada não esteja nem um pouco discreta neste longa, a intenção é justamente criar uma discrepância entre o personagem de Mitchum e o resto do elenco envolvido; mostrar a impureza e crueldade do religioso, que se passa por bom rapaz, perante a ingenuidade do povo da pequena cidade.
Evidenciando de maneira ainda mais clara que a fotografia, a atuação de Robert Mitchum diz tudo e mais um pouco sobre seu personagem e suas intenções. Aparentando ser um camarada gente fina de começo, Harry Powell não demora para mostrar suas cores quando o que lhe interessa está em jogo. Diferente de vilões completamente malvados que expõem sua malvadeza a todo momento, Powell se mostra inteligente ao agir apenas nas horas certas, expondo em público apenas suas habilidades sociais e sua falsa simpatia para ganhar o amor das pessoas ao seu redor. Somente através dos esforços de Mitchum tais manobras sociais se apresentam de forma tão clara e convincente. A competência de metamorfosear o caráter do personagem em questão de momentos é o segredo do antagonista para se camuflar dentro da sociedade ignorante, e apenas uma capacidade tão majestosa de mostrar emoções como a vista aqui é capaz de transmitir tal complexidade de personalidade.
Um dos filmes em preto e branco visualmente mais bonitos de todos os tempos, Charles Laughton entrega mais que uma mostra competente de visuais ao explorar através dela o emaranhado complexo que é o personagem Harry Powell. O mesmo sucesso não se alcança na narrativa, que por vezes se mostra um pouco falha ao entregar a história picotadamente, sem uma condução palpável dos acontecimentos apresentados. Ainda assim, este é certamente um filme merecedor de destaque, mais uma boa obra pertencente ao ótimo gênero Noir.