A princípio, o título pode parecer um tanto não convidativo para algumas pessoas, que podem achar que o filme se trata de mais uma produção ruim com temática religiosa. A temática é religiosa sim, mas não é por isso que o filme sofre com isso. Como outros títulos do gênero Épico, “Os Dez Mandamentos” trata de seu enredo de uma maneira muito completa, adotando diversos focos e usando de diversas fontes para sua composição. Para a construção do roteiro do filme, escrituras históricas de religiões como o Islamismo e o Judaísmo foram usadas, além de livros de historiadores e até mesmo os trabalhos de Fílon de Alexandria. Tudo isto feito para preencher os anos perdidos da vida de Moisés e deixar esta obra do cinema tão completa quanto possível.
Esta história se trata de uma das narrativas mais famosas de todos os tempos, é contada aqui a vida e a trajetória de Moisés. Conhecida também como a história do Príncipe do Egito, a trama começa com o faraó ordenando o assassinato de todos os primogênitos recém-nascidos, com medo da profecia que dizia que o libertador do Egito nasceria naquele dia. Deixando o futuro de seu filho nas mãos do destino, a mãe de Moisés o coloca para vagar pelo Rio Nilo em uma cesta. Em pouco tempo o bebê é encontrado por uma mulher da nobreza egípcia, que passa a criar o bebê como seu.
Primeiramente, devo dizer que a composição desse filme é tão meticulosa e cuidadosa que é extremamente difícil não notar tal característica logo de cara. Com poucos minutos de filme já é evidente o aspecto de super-produção que paira sobre esta obra. Elementos como a arquitetura, número de objetos na tela, número de atores, atividades ocorrendo em simultaneidade e a atuação grandiosa do elenco, passam efetivamente essa sensação de que algo colossal está se passando diante dos olhos do espectador. Cada aspecto ostenta o grande impacto na percepção dessa atmosfera gigante, fazendo dos eventos em tela algo mais do que épico.
Algumas cenas chegam a transmitir tão bem esse sentimento, que elas quase fazem valer o filme inteiro por si. Tomando por exemplo uma sequência onde pelo menos 1000 pessoas são mostradas andando em conjunto, seguindo um mesmo rumo, sem o uso de computação gráfica nem nada do tipo. No meio delas se vê carroças, aves, porcos, cavalos, mulas, e tudo o mais para transformar tal cena em um espetáculo visual tão esplêndido e tão poucas vezes visto, que fazem de “The Ten Commandments” uma experiência no mínimo singular.
Outro dos grandes méritos deste longa-metragem, e mais especificamente do elenco, é conseguir fazer as interpretações igualarem a magnificência da cinematografia. Através de um extenso repertório de diálogos, solidamente executados pelo elenco, pode-se captar a sombra que cada um dos personagens projeta sobre a trama. Sabe-se através das sagazes linhas de diálogo exatamente quem cada indivíduo é realmente, suas ambições, seus desejos e mais do que isso, que sentimento os mesmos estão transpirando no momento.
Dentro desse aglomerado de boas atuações, destacam-se as interpretações dos dois personagens principais: Moisés (Charlton Heston) e Ramsés (Yul Brynner). Em um primeiro momento temos dois indivíduos provenientes do mesmo ambiente de criação, com certa similaridade entre si, mas com personalidades claramente diferentes. Ao longo da primeira parte do longa nota-se como lentamente os dois vão se divergindo, aos poucos se afastando do que uma vez fez dos dois pessoas parecidas. E ao passo que o filme é dividido em duas partes por um intervalo, os dois personagens mudam por completo suas conhecidas personas. O modo como ambos os atores lidam com tal mudança é extraordinário, pois ao mesmo tempo que a quebra de personalidade é drástica, ela não parece súbita em demasia em nenhum momento. Isso se dá através das insólitas manipulações de tom de voz, comportamento e discurso do personagem de Charlton Heston; magnificamente contrastado pelo coração de pedra de Ramsés, que mais e mais se mostra desconfortável frente aos avanços de Moisés.
No fim das contas, o filme mais caro de 1956 se mostra resistente ao teste do tempo no que se refere à sua atmosfera colossal. A execução da trama só acaba pecando um pouco em pontos que são justificados muito convenientemente, característica essa que é explicada por atos divinos ou simplesmente porque sim. Tudo bem que o caráter religioso sustenta muito do que acontece através da intervenção divina, fazendo os fatos mais plausíveis através da fé, Alguns outros detalhes que envelheceram mal acabam transparecendo claramente na remasterização do filme em alta definição, mas estes detalhes são apenas meros vermes quando postos contra o absurdo que é a composição desse longa-metragem. Ótimas interpretações, cenários incríveis, execução sólida e uma combinação incrível de elementos é o mínimo que se encontra.