Diretamente de Roman Polanski — diretor que entregou sucessos como “The Pianist” e “Rosemary’s Baby” — temos “Chinatown”, um filme Neo Noir que também conseguiu grande notoriedade ao descolar um Oscar das 11 nomeações recebidas. O longa foi extremamente bem recebido e venceu diversos prêmios como o já mencionado Oscar, Globos de Ouro e BAFTAs; além de estar presente em várias enquetes de Melhores Filmes, mantendo o primeiro lugar como Melhor Filme de Crime pelo “The Guardian” e segundo lugar pela AFI como Melhor Filme de Mistério.
Jack Nicholson embarca no papel de Jake Gittes, um ex policial e atual detetive particular contratado para investigar o que parece ser apenas mais um caso de adultério, mas que mostra ser muito mais — como em todo bom Noir. Logo Jake se vê preso a uma situação muito maior do que ele jamais poderia ter imaginado, a uma rede de intrigas tão extensa quanto fatal e a uma misteriosa mulher que prefere manter seu passado no passado. Mais cedo que tarde essa rede cresce numa proporção absurda e atinge uma extensão grande a ponto de ser difícil imaginar que apenas uma pessoa escreveu aquele roteiro. Não é à toa que o Oscar dado tenha sido justamente ao roteirista, Robert Towne.
Novamente Nicholson não deixa a desejar com sua espetacular interpretação de Jake Gittes, dessa vez fugindo um pouco de seu frequente personagem louco, extrovertido e meio drogado e dando espaço para uma atuação mais séria, mas com eventuais toques de bom humor. Não sei se sou tapado ou o que, mas nessas situações em que Gittes fazia uma piadinha ou soltava um bordão simpático muita gente na sala de cinema gargalhava forte e eu não. Tudo bem, as anedota são engraçadinhas e dão um toque mais natural aos diálogos, mas não tem nenhum Peter Sellers na tela fazendo palhaçada. Acho que talvez essas pessoas se acostumaram tanto com o típico Jack Nicholson piadista que esqueceram que este se tratava de um filme sério. Hilário ou não, Nicholson exerce controle total sobre seu personagem; evita estereótipos e dosa as emoções conforme a situação, efetivamente sendo engraçado ou sério sempre que a história precisa.
Grande parte dos elementos desse longa são manuseados com maestria. Um deles sem dúvida é a excelente trilha sonora do mestre Jerry Goldsmith, que captura o clima dos Anos 40 e 50 e das trilhas dos Noir clássicos. Curiosamente, todas as canções foram compostas e gravadas em apenas dez dias, o que só agrega mais valor a essa sinfonia de saxofones melancólicos, pianos tristes e violinos aterrorizantes. Toda a estrutura das músicas é perfeitamente conduzida apesar da simplicidade de algumas canções e mesmo assim nunca deixam de exalar o sentimento depressivo dos filmes Noir. Mais interessante é ver como esse clima é estabelecido em contraste direto com os brilhantes raios de sol californianos da fotografia. Eles são uma afronta o preto e branco de alto contraste do Noir e podem fazer muitos procurarem aquelas imagens sujas de personalidades podres, mas não ficarão insatisfeitos com o que Jerry Goldsmith consegue fazer.
Acompanhando Jack Nicholson está Faye Dunaway no papel da típica femme fatale, misteriosa e enigmática. Décadas antes de “Sin City: A Dama Fatal” o conceito de dama fatal já existia e em muitas obras Noir podemos encontrar esse tipo de mulher misteriosa, linda, e engmática. Aqui não é diferente e Dunaway entrega não só uma interpretação adequada, mas que ganha notoriedade absurda a partir de seu primeiro segundo de tela; cada fato novo traz mais complexidade ao presente ao mesmo tempo que o passado borrado dos protagonistas é desenterrado pouco a pouco. Ela é uma personagem moderada. Sua existência é essencial para a trama e para o próprio Gittes, porém nem por isso ela sai de sua pose sutil e enigmática.
Por mais que quase tudo aqui mantenha um padrão de exímia qualidade, alguns pontos pequenos, mas críticos, acabam impedindo que “Chinatown” seja um filme invicto. Longe de todos os acertos do roteiro inteligente e sua capacidade de prender o espectador a um grande mistério com pistas cuidadosamente dispostas, uma pequena decisão bem importante do protagonista acaba sendo minha grande crítica à imunidade da obra. Não vou citar qual é a tal decisão porque ela literalmente estraga a história toda, mas não consigo encontrar justificativa alguma; nem na maneira como Gittes é construído, nem em qualquer outra coisa.
De um jeito ou de outro “Chinatown” supera grande parte do cinema de bom gosto e automaticamente entrou pra minha lista de filmes favoritos. Não é o tipo de obra que você assiste cento e catorze vezes seguidas, mas com uma boa pausa entre assistidas cada experiência torna-se única. Há tantos detalhes e minúcias que algum que passe despercebido pode ser notado em outra ocasião.