“Easy Rider”, conhecida obra de contracultura e rebeldia, pode ser facilmente considerado o filme de motoqueiro quintessencial. Sendo um dos longas mais marcantes das carreiras de Peter Fonda e de Dennis Hopper, o filme não só deu um impulso importante para o movimento New Hollywood, como também estabeleceu ainda mais o sentimento de liberdade que a marca Harley-Davidson tanto usa como lema de sua marca. A espinha dorsal da obra teve origem quando Peter Fonda viu uma foto sua em um trabalho anterior e decidiu fazer um faroeste moderno sobre dois motoqueiros cruzando o país, essencialmente do que “Easy Rider” se trata.
O longa conta a história de dois motociclistas que, após ganharem uma boa quantia em dinheiro, decidem cruzar o país até Nova Orleans, onde está acontecendo o carnaval da cidade, o Mardi Gras. Basicamente é isso, sem firulas, encheção de linguiça e muito menos alguma reviravolta absurda de enredo, com exceção de uma cena em especial. Definitivamente o que se destaca nesse longa é a vibração que ele passa, caracterizando-o como um dos filmes mais tranquilos que já assisti, um verdadeiro “feel good movie”. Assim como os atores principais, que também dirigiram e produziram o longa, toda a obra está ligada à experiência: a viagem está para eles, assim como o filme está para nós espectadores. Como mencionado, as origens dessa jornada estão diretamente ligadas aos faroestes e, querendo ou não, o filme é muito semelhante aos trabalhos desse gênero. Tanto que até hoje é reconhecida a ligação entre caubóis do Velho Oeste e os motociclistas da atualidade.
Tudo neste filme é sobre liberdade: liberdade de escolhas, liberdade de atitudes, liberdade de destino, liberdade de expressão… Basicamente todas as cores que estão pintadas na bandeira de caubóis e motoqueiros. O conceito é bem representado pelo foco dado às paisagens desoladas e imensas que rodeiam as solitárias estradas, que servem como ambiente principal para os protagonistas. Nesse caminho, a liberdade de destino é apresentada ao espectador em contraste com a forma como a sociedade vê essa contracultura, exaltando o julgamento de seus olhos preconceituosos. A maneira como mostram isso é genial, pois o filme não só prova seu ponto através da trama como também deixa todo o ideal envolvendo a principal virtude dos protagonistas bem explicado através de suas atitudes.
Outro dos pontos fortes do longa metragem é a fantástica trilha sonora, cheia de grandiosas trilhas de rock clássico. Logo de cara fica óbvia a fonte de onde “Sons of Anarchy” bebeu ao fazer suas inúmeras montagens musicais: o clube pilotando em formação ao som de algum rock bombástico ou algum momento mais tranquilo que também tem algum rock de bom gosto ao fundo. Mais importante que serem boas, as músicas são perfeitamente casadas com as cena e as tornam muito mais impactantes. De brinde estas canções são imortalizadas pelo consequente sucesso da cena em questão e da obra toda em geral, como foi o caso de “Born to be Wild” do Steppenwolf. Artistas consagrados como Jimi Hendrix e Bob Dylan também estão presentes, este último tendo destaque por melhorar uma das cenas mais esquisitas do filme todo, que até agora não sei se entendi direito.
Certamente uma obra que representa bem seus ideais, “Easy Rider” fez a cabeça de muitos e faz até hoje ao instigar o sentimento de rebeldia e liberdade nas pessoas que compram uma motocicleta, nas pessoas que sonham em simplesmente pegar estrada e sumir e também nas pessoas que mantém a compra de uma motocicleta como um sonho. Relacionado a isso está o recorrente dilema social do conflito entre segurança e liberdade, o quanto cada indivíduo está disposto a sacrificar um para obter mais do outro. Neste caso, os personagens apenas procuram ter um pouco de diversão ao não dar a mínima para as regras e convenções da sociedade. Eles só sobem nas motos sem destino definido, ou será que na verdade ligam para tais normas? No caminho encontram outras pessoas que compartilham do ideal libertário, mas que o aplicam à sua maneira e ate se chocam inicialmente com a cultura radical, mas logo se misturam ao notarem que dividem as mesmas ideias.
Infelizmente, o filme não é muito mais que isso. De fato, ele captura o espírito da liberdade e o representa de um jeito excelente, mas além disso não há muita coisa que agregue valor o bastante para fazer de “Easy Rider” uma obra muito melhor do que é. Principalmente no quesito de atuação, muito pouco é explorado; com exceção do personagem de Jack Nicholson, que se sobressai em um ambiente onde muitos personagens simplesmente agem como se estivessem passando por uma paranóia pós-LSD ou interagem tão pouco que é difícil analisar seu comportamento. Como dito, Jack Nicholson tem um ótimo papel como um advogado alcoólatra que, assim como os protagonistas, está rondando por aí por um pouco de diversão. A interpretação de Nicholson como um personagem sempre meio bêbado e animado para fazer algo novo é bem natural e entra em sintonia com o resto do longa, que não só parece muito orgânico como é de fato — muitas cenas e diálogos foram improvisados. A atuação de Nicholson não só é de muito bom gosto como também é extremamente semelhante ao seu personagem de “Um Estranho no Ninho”, que me faz gostar de pensar que cada longa mostra um destino possível do mesmo personagem, uma vez que as semelhanças são imensas.
Definitivamente um filme que merece ser assistido pela experiência diferente e tranquila que o mesmo proporciona, “Easy Rider” acerta em alguns aspectos como poucos o fazem, mas não tem muito mais a adicionar além da aplicação genial dos conceitos tão discutidos pelos personagens durante a trama.