Famoso por excelentes faroestes, como “Red River” e “The Big Sky”, Howard Hawks tem fama de ser um dos diretores mais versáteis de todos os tempos. Sim, ele é a pessoa que fez o mesmo filmes três vezes no final de sua carreira quando fez “Rio Bravo”, “El Dorado” e “Rio Lobo”, porém não viveu só desse gênero como também se aventurou em outros com bons resultados, entre eles o Noir e o Drama. “His Girl Friday” é um exemplo dessa versatilidade. Mais do que apenas um elemento diferente, ele se mostra uma das pérolas do diretor, do gênero Comédia como um todo e até do Cinema como arte, um dos exemplos mais refinados da comédia screwball.
Adaptação de uma peça de teatro da Broadway chamada “The Front Page”, o longa toma lugar em cenários da atmosfera jornalística, tal como o escritório do jornal “The Morning Post” e a sala de imprensa do Departamento de Polícia de Nova York. Além da ambientação, tudo se trata de jornalismo à sua maneira, afinal de contas, boa parte do elenco interpreta profissionais da área. Mas do que “His Girl Friday” realmente se trata? Seria um filme investigativo? Não. O foco desta obra é um tanto simples: exaltar a loucura de trabalhar nessa área, jornalistas nadando em notícias novas e correndo para falar com o informante que tem o contato de uma pessoa relacionada à notícia mais quente do momento. Como se o agito não fosse o bastante, há romance para apimentar uma situação que naturalmente pega fogo. São três grandes atores do humor no clima leve, biruta e engraçado das comédias screwball.
Walter Burns (Cary Grant) é o irrefreável editor do “The Morning Post”, jornal para o qual dedica seu tempo, sua vida e sua sanidade a fim de manter a informação mais nova sempre à disposição de seus leitores. Mas sua notícia mais nova é um tanto diferente das outras que costuma encontrar: Hildy (Rosalind Russel) anuncia que está largando o emprego, pedindo um divórcio e se casando com outro homem. O problema é que ela não só é a melhor repórter da equipe de Walter mas também é sua esposa. Ou melhor, ex-esposa. Chocado com as razões trazidas por ela, o homem reconhece suas falhas e decide usar todas suas táticas para conquistá-la de volta enquanto divide seu tempo com sete linhas de telefone ocupadas, problemas na redação e novas bombas.
A premissa de “His Girl Friday” é simples o bastante. Seria facilmente resolvida se o casal principal sentasse para discutir a relação e redefinir prioridades, então as coisas voltam aos eixos ou eles terminam e cada um segue por seu caminho. Claro que nunca é tão fácil assim. E quando a idéia é criar um filme de comédia a partir disso, todo o bom senso vai para o espaço. Começa pelo fato de tudo acontecer ao mesmo tempo, um ritmo frenético trazendo diálogos paralelos e pessoas fazendo tarefas diferentes simultaneamente num mesmo quadro. Atos bruscos de uns, atos menores de outros e falas absurdamente rápidas são apenas parte da insanidade. No começo, essa avalanche de estímulos deixa tudo um pouco confuso, mas não demora para o espectador se ajustar ao ritmo rápido daquele ambiente.
A comédia e o romance no mundo da imprensa não são os únicos focos, “His Girl Friday” também aborda o dia a dia dos profissionais da mídia impressa. Os diálogos simultâneos são escritos com os começos e os fins irrelevantes para o resto da frase, justamente sabendo que os personagem cortariam a fala antes do outro terminar. Um novo fato chega atropelando o outro sem mais, como se este não tivesse importância alguma para o enredo bruto, ou seja, aquilo que os personagens passam seu tempo fazendo. Curiosamente, isso não importa tanto quanto o fato de que eles estão fazendo a tarefa. Ocasionalmente as situações beiram a histeria porque nunca se sabe onde tudo vai dar, apenas que o ritmo nunca desacelera. Burns tenta se reconciliar com sua ex-esposa, faz de tudo para sabotar a vida do novo pretendente dela, corre com ela atrás de uma nova história para o jornal e, como a cereja do bolo, acompanha vários outros personagens em suas rotinas para nunca parar de trabalhar.
O mérito é poder descrever a experiência como dinâmica. Da direção, em um campo, por não se perder na loucura e evitar entregar um produto incoerente, desorientante e desagradável de assistir. Já é difícil acompanhar o que está sendo falado, falar naquela velocidade então deve ser uma tarefa homérica. Por isso no outro campo se encontra a aptidão do elenco à frente da caravana da loucura. Cary Grant como Walter Burns, o obsessivo, hiperativo, e inescrupuloso editor do mencionado jornal entrega uma das melhores atuações de sua carreira, canalizando excentricidade e energia histérica sem nunca perder a mão e soar exagerado ou pretensioso. Acompanhando ele está Rosalind Russel como a ex-esposa e ex-colega de trabalho de Burns, a última pessoa que ele esperaria ter de lidar no meio de sua rotina tensa; uma personagem que mostra função dentro da história e ainda traz como charme da performance um tipo de esperteza secreta, mas perceptível em apenas alguns momentos de sua companhia. .
Querendo ou não, espectador e elenco acabam se envolvendo na maluquice. Não entender o que se fala palavra por palavra não é ruim como se pode esperar. Todos os diálogos foram escritos de forma que, já considerando o que vai se perder, a mensagem principal seja passada. O fato de Howard Hawks estimular seu elenco a adicionar improvisos em suas falas dá um mérito ainda maior aos atores por sua mãozinha no humor de “His Girl Friday”. Isto é, com exceção da sagaz Rosalind Russel, que contratou secretamente um escritor para apimentar seu diálogo por achar seus improvisos inferiores aos de Grant. Felizmente, a fonte pouco importa. Malandragem ou não, o efeito é positivo.
Mesmo acertando e muito em vários pontos, não posso dizer que gostei da fotografia de “His Girl Friday”, em especial o preto e branco utilizado. Não o fato de ser preto e branco por si, e sim sua tonalidade forte e escura para um filme leve e de temática tão animada. Em ambientes como a cena do restaurante, por exemplo, a tonalidade é tão sinistra que o longa mais parece um Noir. No entanto, há chance de ser uma versão de má qualidade por conta da obra estar em domínio público. Apesar deste conflito entre imagem e conteúdo, “His Girl Friday” é uma comédia muito bem executada e extravagante, um grande exemplo de como um ritmo ridiculamente intenso pode ser funcional.