Outro filme de Mads Mikkelsen recomendado por um amigo, “Michael Kohlhaas” é um das obras selecionados para ser exibido no Festival de Cannes 2013. Do diretor francês Arnaud des Pallières, o filme é baseado em um livro homônimo de 1810, escrito por Heinrich Von Kleist. Como se uma obra de quase 200 anos não fosse referência o bastante, a adaptação foi renomeada “Age of Uprising: The Legend of Michael Kohlhaas” por seu distribuidor, provavelmente numa tentativa de deixar a obra mais atraente para fãs de épicos medievais. Essa mudança pode distorcer as expectativas e decepcionar quem assistir esperando algo recheado de batalhas e ação, pois os temas em destaque não são esses. Curioso, ainda, é o fato da alteração para títulos mais apelativos — amplamente criticada no Brasil — acontecer em regiões como a América do Norte.
Tratando de uma história extremamente simples e de poucos eventos sensacionais, o filme conta a história de Michael Kohlhaas (Mads Mikkelsen), um vendedor de cavalos tratado injustamente por um Lorde enquanto faz seu trabalho. O protagonista perde sua mercadoria de cavalos enquanto viajava pelas terras de seu superior quando um pedágio é cobrado indevidamente. Ele luta por seus cavalos e os recebe. Na pior condição possível. Kohlhaas procura seus direitos e tem a justiça negada três vezes, fato que o leva a reunir aos poucos um exército para reivindicar o que é seu por direito.
Dentro do contexto apresentado, o filme aborda questões como o conflito entre ética e moral sob a visão restrita e distorcida, se posso dizer, da época, assim como as relações entre religião e fé. Uma forte influência na época, a Igreja Católica se mostra presente em momentos de dúvida na trajetória do protagonista, incitando a dúvida e fazendo o mesmo questionar a validade de suas ações. Não bastasse a simples representação do conflito entre a ideologia pregada e as convicções pessoais, há uma ótima demonstração de sentimentos por parte do protagonista. Essa representação sólida desses sentimentos é devida a atuação de Mads Mikkelsen, que cada vez mais se mostra um ator de muito talento. Desde o conflito entre suas crenças e sua fé até a demonstração de emoções comuns do ser humano, Mikkelsen as representa de maneira natural e convincente; usando muito mais das ações pequenas e minúcias comportamentais para transmitir o que sente, como se até isso fosse reprimido naquele tempo.
O filme trata também da ambiguidade relacionada ao conceito de justiça, mesmo que um pouco tarde na trama. Já vista como algo abstrato e deturpado naquela época, a história faz questão de mostrar a ironia das ocorrências em que o conceito é colocado em jogo. Ao mesmo tempo que uns recebem o que lhes era devido, outros acabam punidos por crimes que não cometeram, ciclo que se repete até hoje e provavelmente continuará sendo visto no futuro.
A escolha do diretor de conduzir a obra com um ritmo mais lento em conjunto com poucos diálogos se mostra relativamente bem executada. Afinal de contas, a trama é simples e mais centrada no desenvolvimento de seus personagens, então. Ao invés de cometer o erro de criar cenas compridas e com pouco significado, o diretor dá a elas vida e imersão. Para manter um certo movimento, cenários aliados ao uso de músicas de época são usados em momentos-chave da trama, mantendo o filme interessante e evitando que o clima se torne entediante. No entanto, ainda fica um pouco do sentimento que as coisas poderiam ser menos paradas.
Como dito, qualquer espectador que colocar as mãos neste longa esperando elementos fantásticos de filmes medievais, certamente vai se decepcionar. A falta de cabeças rolando, brutamontes se espatifando e armaduras brilhantes não quer dizer que a experiência seja negativa, contudo. Se por um lado a ambição é significantemente menor, em contrapartida a exploração de elementos mais simples é executada sem pretensões maiores que o material permite, uma maneira competente de abordar o contexto medieval. Acertando onde muitas obras erram, este filme consegue manter um ritmo lento por boa parte de sua duração sem ficar chato. De sobra ainda há competentes debates sobre temas socialmente relevantes — como a ambiguidade da justiça e da fé — que até hoje são bem importantes.