Quando se fala em Fábrica de Chocolate muita gente das gerações mais novas vai lembrar da versão de 2005 de Tim Button, que seguiu praticamente a mesma premissa de “Willy Wonka & the Chocolate Factory” e modernizou a parte visual, usando mais a CGI no lugar dos efeitos práticos. Tanto o filme de 1971 quanto o de 2005 são adaptações de “Charlie and the Chocolate Factory”, livro de Roald Dahl lançado em 1964. Curiosamente, o autor quase foi o roteirista deste filme, mas foi substituído quando ultrapassou o prazo de entrega. Com outra pessoa na posição a história divergiu um pouco da original, fato que levou Dahl a renegar o filme após ver o resultado final.
O enredo é basicamente o mesmo da versão de 2005: um garoto de uma família pobre, cheio de sonhos reprimidos, vê oportunidade de realizar seus sonhos quando Willy Wonka, o dono de uma popular fábrica de doces, lança uma promoção que leva os vencedores para conhecer a tal fantástica fábrica de chocolate. Para ganhar o prêmio a criança sortuda precisa de um dos cinco bilhetes dourados escondidos nas milhões de barras fabricadas. Para melhorar a incrível oportunidade, um destes cinco escolhidos ganhará um suprimento vitalício de chocolate e muito mais. Para conseguir isso, Charlie, o protagonista, tem de enfrentar as loucuras da fábrica para conseguir o melhor prêmio de toda sua vida.
A abordagem dessa adaptação é um tanto mais musical que o filme de Tim Burton, criando um clima mais Disney que um casual filme de família. As frequentes pausas na trama para momentos de dança e cantoria estão presentes, de fato, mas não tenho problemas quanto a isso; desde que tudo seja bem estruturado e obviamente desde que estes números sejam bons de verdade. A primeira impressão passada pelo longa é terrível. Quando introduzem a parte musical com duas das músicas mais desimaginativas e secas da história tive a impressão que o filme seria um aborto musical e nada mais que conteúdo para um popular meme de internet. Parece que as letras das músicas saíram de um roteirista de ressaca, letras que parecem improvisação ruim colocadas com melodias sem inspiração, posicionadas ali apenas para quebrar o que o enredo criou até então.
Por sorte essa impressão logo passa quando começam a entregar músicas realmente boas, as quais usam quase sempre as vozes dos atores sem dublagem sobrepondo as vozes originais. O resultado é uma sintonia entre essa cantoria natural e humilde com a mensagem principal do filme, uma vez que o focos principal está em personagens de origem pobre. Longe das aberrações que são as primeiras músicas, os números musicais que sucedem os desastres criam uma atmosfera bem gostosa de se acompanhar, simulam bem o sentimento de alegria e deleite das crianças visitando a gigantesca fábrica de chocolate.
Um aspecto que para mim acabou quebrando um pouco da imersão das melodias alegres e saltitantes foi a ambientação da fábrica. Supostamente ela era pra ser um lugar mágico e extraordinário, onde você instantaneamente queimaria todas as calorias dos doces comidos de tanta alegria e êxtase, mas ao prestar atenção nos detalhes nota-se que alguns lugares não são tão mágicos assim. Talvez o relativamente baixo orçamento tenha limitado muitos desses aspectos visuais, que deixam o tão popular rio de chocolate parecer mais um rio de coliformes fecais Wonka, sem contar outros elementos claramente feitos de materiais baratos nem um pouco comestíveis. Alguns destes objetos poderiam ser facilmente omitidos, mudança que teria feito toda a diferença. Este é o caso das janelas industriais à mostra em uma das cenas de introdução da fábrica. Tudo bem que aquilo era pra ser uma fábrica de verdade, mas o lugar aparenta ser um grande barracão de estúdio de cinema, ao contrário de um sonho realizado.
Mais do que o resto dos elementos do filme, acredito que o grande mérito desta obra esteja no fato dela por si só, sem os números musicais, se sustentar como uma história bem contada, virtualmente o que acontece com a outra adaptação de 34 anos depois. Por sorte, as cenas não-musicais amenizam bem o estrago feito pelas primeiras canções, tirando um pouco o gosto ruim da boca até que as canções boas entrem em cena. Parte do motivo que faz essas outras cenas funcionarem é a combinação das ótimas atuações de Peter Ostrum e Jack Albertson com a trama simpática, que trabalha bem com o plano de fundo e a caracterização destes personagens. Tudo isso cimenta o caminho para o espetáculo posterior estrelado por Gene Wilder, detentor do papel do excêntrico, maluco e temperamental Willy Wonka. Como esperado, sua interpretação mostra bem as qualidades que tornaram o personagem tão icônico e popular.
Não sei se perdi um pouco da surpresa por ter assistido a adaptação de Tim Burton antes de “Willy Wonka & the Chocolate Factory”, mas a experiência continuou muito boa. Até achei esse filme um pouco melhor que “Charlie and the Chocolate Factory” de 2005. Alguns elementos da versão mais nova se sobressaem, ao passo que a abordagem diferenciada do antigo mostra-se muito feliz em sua proposta. Seja qual for o motivo, vale a assistida só pela cena que deu origem ao “Condescending Wonka”.