Um amigo me alertou. Quando falei que queria assistir a todos os filmes de Hou Hsiao-hsien, ele me disse que não tinha essa coragem e que ver dois ou mais do diretor no mesmo dia era um convite para o tédio, para o cansaço ou para tirar uma soneca. Bem, ele tinha razão nesse ponto, e alguns filmes do diretor até evitarei escrever sobre porque acabei dormindo e perdendo alguns trechos importantes. Sendo sincero, quase todos os filmes me deram algum tipo de sono porque nem o aviso do amigo fez jus a quão lentos eles são. “O Mestre das Marionetes” foi o primeiro deles e, infelizmente, um dos meus menos favoritos.
A história é quase um documentário, ou melhor, um docudrama por intercalar seções em que Li Tian-Lu, um titereiro que reconta sua vida desde a infância, falando diretamente com a câmera e trazendo momentos marcantes de períodos diferentes. Em outros momentos, sua fala é apenas uma narração de eventos dramatizados ou um prólogo, de certa forma, introduzindo o trecho em que atores reencenam a vida do mestre das marionetes conforme Taiwan passa por mudanças bruscas na primeira metade do Século 20.
Para começo de conversa, há muito a ser representado aqui. Só a vida do protagonista encompassa várias décadas entre infância e velhice, o que na maior parte dos casos já fornece material o suficiente para bem mais que um filme só. Havendo uma ótica sensível, até as vidas mais pacatas e aparentemente sem drama possuem uma história a ser contada. O conflito pode ser interno na falta de eventos envolvendo fatores de fora e pode ser representado com imagens. “O Mestre das Marionetes” vai ainda mais longe porque para além de uma vida mais ou menos tranquila no interior de Taiwan, o cenário sociopolítico da nação está em constante mudança, algo que tanto provoca acontecimentos diretamente quanto impede muitos outros de acontecerem na vida dos envolvidos.
Há dois poréns. E talvez mais alguns: o Olhar de Cinema, por algum motivo, trouxe uma cópia horrível para exibição que estava mais próxima de uma qualidade de DVD esticada numa tela enorme. O outro é que a narrativa de Hou Hsiao-hsien costuma ser muito lenta. “O Mestre das Marionetes” é seu segundo filme mais longo dentre os exibidos, chegando em quase duas horas e meia. O diretor aparentemente não tem muita preocupação com ritmo e conta a história em seu tempo. Para além da dificuldade de se situar entre os muitos personagens distribuídos entre épocas diferentes e que às vezes saem da vida do protagonista, há uma casualidade extrema na forma como a história é contada: os capítulos são longos, as tomadas são longas, os silêncios são frequentes e muitas vezes não há um mar de coisas acontecendo. Tudo isso torna difícil acompanhar a obra às vezes.
O que realmente ajuda, por outro lado, é a participação do próprio Li Tian Lu. Todas as aparições do titereiro e protagonista fornecem o contexto que a história por conta própria jamais teria. Apenas os eventos dramatizados não fornecem informações suficientes sobre família, parentesco e outros tipos de relações entre personagens para entender o que acontece, até porque há diversos saltos temporais que tornam ainda mais complicado se situar. Por um lado, esses interlúdios poderiam ser considerados uma muleta, uma cola entre os trechos para que tudo fique minimamente coerente; em contrapartida, Li Tian Lu é tão carismático que não há como dizer que é só essa sua contribuição para “O Mestre das Marionetes”. O personagem, com seus 82 anos, tem carisma de sobra para contar sua história de uma maneira muito mais que informativa e objetiva. Ele é divertido, ele encontra espaço para piadas, mesmo no tempo reduzido acha espaço para injetar carisma e elevar a obra um pouco.
O que por vezes torna a vida do personagem mais interessante é ver como não há nem um pouco de linearidade no seu trajeto. Ele praticamente cai de paraquedas na carreira de titereiro quando criança ainda e passa por altos e baixos durante o caminho, sendo diretamente influenciado por um cenário político caótico que na época poderia acabar com tudo de um dia para o outro. Outros filmes do diretor exploram essa questão um pouco mais a fundo, ao passo que “O Mestre das Marionetes” se beneficia um pouco menos diretamente desse contexto ou, ao menos, não sabe aproveitar tão bem para tornar o grande todo um pouco mais dinâmico. É de se agradecer ao personagem por tornar tudo um pouco mais divertido, especialmente os momentos mais parados do filme, que felizmente não são todos. Apesar da apresentação sem nenhuma pressa, às vezes eventos relevantes tomam o primeiro plano e chamam a atenção por seu humor inesperado ou por uma combinação de fatores como eventos objetivos e enriquecimento contextual.
Acredito que uma segunda assistida seria muito benéfica para absorver melhor a amplitude de detalhes que nem digo que está escondida, mas por estar em alta concentração pode acabar não sendo analisado apropriadamente em conjunto com a história de vida sendo contada. A fragmentação dos eventos e a como eles são separados também não ajuda, assim como o ritmo extremamente devagar também prejudica a compreensão da narrativa de “O Mestre das Marionetes”. Há muito aqui a ser aproveitado, ainda que a apresentação esteja longe do ideal.