Depois que foram feitas biografias sobre cantores de rock, um matemático dos tempos da Segunda Guerra, sobre JFK e até mesmo sua esposa, estava faltando alguma coisa. Se até cantores menores tiveram suas 2 horas de brilho numa tela de cinema, por que não o Rei do Rock? Todo mundo sabe quem é Elvis e todo mundo pensa na mesma pessoa quando mencionam o nome Elvis — quem disser que pensa em Elvis Costello antes está mentindo. Então por que tanta demora? Sim, existiram filmes para a televisão e até obras explorando pontos específicos de sua vida, como o encontro com Richard Nixon, mas e o resto? De onde ele saiu, como ele se tornou o Rei e por que diabos ele é o Rei do Rock quando tantos outros nomes carregaram a tocha e são mais populares e mais lembrados? Finalmente aconteceu, o filme definitivo — até o próximo — está aqui.
A história se molda como uma biografia tradicional: tudo começa com sua juventude numa parte pobre do Mississipi, quando Elvis Presley (Austin Butler) começa a descobrir seus caminhos na música. Seu estilo é diferenciado, ele não soa como qualquer outro garoto branco de seu tempo e traz em si elementos de música negra que não agradam todo mundo, mas quem tem faro para negócio como o Coronel Parker (Tom Hanks) percebe que ali há uma oportunidade gigantesca. Uma parceria nasce ali e a ascensão estratosférica do cantor começa a cumprir sua promessa de mudar a música para sempre.
Eis um nome que todos reconhecem. Seja você com seus 30 e poucos anos ou seu sobrinho de 15, todos sabem qual é a pessoa quando o nome é Elvis Presley. Pode até acontecer que não se conheça nenhuma música dele ou talvez umas duas, “Jailhouse Rock” e “Hound Dog”, ao passo que o rosto e o estilo são ícones da cultura popular tal qual Marilyn Monroe ou a Princesa Diana. Existe uma persona Elvis no imaginário, de tanta repetição e reforço acabou que alguma versão do conjunto ficou marcada. O topete, certamente; a dança normalmente é a requebrada de joelhos; e as roupas variam um poucos mais, indo dos ternos coloridos aos figurinos variados de seus filmes e até mesmo à farda militar de seu período de serviço. Claro, sempre vai haver variantes que lembram mais da fase do Elvis gordo usando collants brilhantes com boca de sino, botas, lantejoulas, bordados e suor, tudo em movimento fazendo golpes de caratê no meio do palco porque sim. Sim, ele foi muitas coisas.
E quem dirige é Baz Luhrmann, o diretor flamboyant já bem familiarizado com a temática musical em trabalhos como “Moulin Rouge!“, “The Get Down”, além de ser acostumado principalmente ao espetáculo e ao show. Seu objeto de estudo querido é aquilo que brilha, que vibra e que ressoa, que grita para o mundo “Estou aqui!” e o faz com orgulho. Até mesmo sua interpretação de um clássico da literatura americana tem um glíter a mais em cenas com música moderna, extravagantes números de dança e visuais chamativos em geral, incluindo o uso do 3D na fotografia. Então, sim, pode-se dizer que ele era um bom nome para assumir o comando da biografia de um dos maiores showmen da história da música, aquele que por mais que nunca tenha feito fama como compositor, conseguiu crescer como o o maior dos intérpretes por dar um tremendo de um show quando subia no palco. Sempre. De terno ou de collant.
Boa escolha? Sim. Já a execução é outro departamento. Baz Luhrman é um diretor de quem eu queria gostar mais. Ouvi-lo falar de cinema é uma maravilha — ele participa extensivamente de “The Story of Film: An Odyssey“: é um discurso inspirador, cheio de paixão e que consegue transmitir como ele enxerga a arte do cinema e o que ele busca fazer em seu trabalho; ele é simpático, animado e ao mesmo tempo tem um ar de sabedoria que o distancia de qualquer outro entusiasta por aí. E eu queria gostar mais de seus trabalhos. “Elvis” é apenas mais um exemplo de filme que poderia ter sido muitas coisas, e de fato é, mas também poderia ter sido muito mais. São várias oportunidades perdidas, começando pelo foco excessivo no personagem do Coronel Parker.
Não dá para dizer que é uma abordagem incoerente porque o roteiro escolhe seu ponto de vista como o de alguém que acompanhou a história do músico do início até sua morte e participou de quase todos os grandes momentos de sua vida, não só de carreira mas também de sua vida pessoal. Sua influência era ampla, excessiva e teve um papel direto na forma como as coisas desenrolaram, então ele até faz sentido como um narrador. Mesmo assim, é difícil ignorar a impressão de que a história poderia ter sido um tanto menos sobre ele. Além do mais, há algumas simplificações burras para explicar as inspirações artística de Elvis, por exemplo, que é considerado um elo da música country predominantemente branca com a música gospel encontrada em igrejas da comunidade negra. A solução imagética encontrada aqui para isso é mostrar um Elvis criança literalmente saindo de um show country e cruzando um terreno até entrar numa missa em que as pessoas cantam gospel. Eis a conexão genial que explica todo o processo criativo!
Outro ponto é na apresentação em si. Se por um lado ela traz tudo de bom que se espera de um diretor que é chegado de visuais coloridos e intensidade audiovisual em forma de rock n’ roll, dança, luzes e uma platéia imensa aos prantos; por outro, ele vai longe demais na excentricidade e na adrenalina dos eventos, transbordando em sua viagem de tornar tudo dinâmico o tempo todo e priorizando um estilo de direção que representa tudo que há de errado com o audiovisual aplicado à publicidade hoje: a tela é constantemente dominada por efeitos especiais, animações, letterings, transições, efeitos sonoros e tudo para fuzilar o espectador com estímulos. Em alguns momentos é tão excessivo que uma sequência inteira é feita de máscaras, transições espertinhas e artifícios visuais, como se o conteúdo viesse em segundo lugar diante da possibilidade de impressionar o espectador com truques.
E isso atrapalha até mesmo outros aspectos como o design de produção e a própria fotografia de “Elvis”, ambos aspectos que quando intocados chamam a atenção por sua competência. Computação gráfica às vezes entra no caminho e entrega cenários completos criados artificialmente, algo que consegue ferir os olhos mais do que qualquer Star Wars da Trilogia Prequel conseguiu com suas telas verdes frequentes. E simplesmente por que sim. São detalhes que somam para atrapalhar a experiência e previnem que este seja um filme muito melhor do que é. Ao menos do protagonista não se pode reclamar. Todos os elogios à Austin Butler e mais alguns foram certeiros. Ele é realmente tão bom assim aqui.
4 comments
Caio, bom-dia!
Austin Butler é esforçado e tenta dar o seu melhor. O “ladrão de cenas” do filme é Tom Hanks no papel do “cafetão” Tom Parker. Fiquei impressionado com a semelhança da atriz Helen Thomson com a verdadeira Gladys Presley. E como dissestes, o filme carece de muita coisa. Enfim, é mais uma cine-biografia!
Muita luz para você!
Ladrão de cena por se destacar mais que o Austin Butler ou porque o personagem aparece mais do que deveria?
Abraços!
Bogoni… Sempre muito certeiro em suas colocações, o filme é bom, mas poderia ter sido grandioso!!! No aguardo pela suas impressões sobre “I Wanna Dance With Somebody”, que na minha opinião está tão mediano quantos este supracitado e “Bohemian Rhapsody”. Forte abraço!
Sou fã de Elvis desde criança e já estive em Graceland por 2 vezes, realizando duplamente meu sonho. Porém, por já ter visto, ouvido e lido praticamente tudo sobre o Rei do Rock, não me vi ansioso para ver este filme. Só o vi quando saiu na HBO. Afinal, achava que seria mais do mesmo, mais uma biografia. Porém, apesar de alguns pontos negativos ou excluídos nesta obra (Fã é chato mesmo!), o filme me surpreendeu, inovando na forma de mostrar “uma pequena parte” da trajetória do nosso querido Elvis. Gostei da sua crítica acima, Caio. Você escreve muito bem e conseguiu transmitir sua opinião de forma bastante clara. Quem sabe um dia possamos trocar opiniões sobre alguns filmes, pois sou fascinado pelo cinema, apesar de não me considerar um cinéfilo. Abraço e sucesso.