Pois é. Uma comédia romântica por aqui. Não é sempre que isso acontece — bem raro, na verdade — e aqui estamos nós, assistindo a uma comédia romântica em cabine de imprensa depois de assistir a obras como um colorido e musical documentário sobre David Bowie. Qual o sentido? Eu poderia dizer nenhum e deixar por isso mesmo, mas a verdade é que queria uma mudança de ares e assistir a algo bem diferente para dar uma variada em minha atual rotina de seriados, poucos filmes e lançamentos gigantescos. Além do mais, era uma boa desculpa para tomar um café com uma garota que trabalha perto do cinema, então por que não dar a uma chance a “Bros” e ver do que se trata? Ao menos o filme eu vi.
Bobby (Billy Eichner) é um homem bem-sucedido em sua carreira: no ápice de onde queria chegar, fazendo o que ama e defendendo os valores que importam para ele. Ele também é um homem gay, acima de tudo, um que fez tudo o que fez em prol de maiores direitos e maior espaço para minorias. Seu projeto atual é a inauguração do primeiro museu de História LGBTQ+ dos Estados Unidos, o qual só não sai do papel por conta de discussões intermináveis e problemas diversos. A única coisa que faltaria na vida de Billy é um outro alguém, mas sendo uma pessoa que se orgulha de ter chegado aos 40 anos sem nunca ter namorado, sua estrutura rígida logo começa a ceder quando ele conhece Aaron (Luke Macfarlane).
Aparentemente, “Bros” tem sido divulgado como o primeiro grande filme sobre um casal gay; grande no sentido de tamanho de produção, como um projeto de um grande estúdio. Há controvérsias. Muitos espectadores vieram com uma dúzia de pedras numa mão e na outra uma lista com outros filmes de temas similares, mais antigos e melhores do que esse. Talvez a diferença aqui seja realmente o dinheiro investido no marketing para tentar tornar este o estandarte, a referência moderna de história LGBTQ+ no cinema. Houve a tentativa e só. Se for para fazer uma previsão baseada na execução mostrada aqui, dificilmente é uma reputação que se manterá no futuro.
O maior problema é, de longe, quão estereotipado “Bros” é. E não falo ainda das representações de gays, lésbicas, transexuais e outros, mas do roteiro em si. Caso o espectador já tenha visto alguma comédia romântica, qualquer uma mesmo, a mais clichê ou a mais tosca, ele saberá exatamente como as coisas acontecerão aqui. Aliás, é tão uma receita de bolo que até quem nunca viu nada do gênero provavelmente sabe quais são os beats principais de uma história como essa e não se surpreenderá com o encaminhar da trama. Chega a ser triste, ou irônico, como algo que tenta tanto se vender como um trabalho progressista, revolucionário, diferenciado e fora dos padrões sociais heteronormativos, acaba caindo justamente nas armadilhas mais óbvias do lado técnico. É um verdadeiro tiro no pé, deixando para vacilar numa parte tão besta como um roteiro genérico.
Basta imaginar o cenário apresentado já na premissa: um dos homens tem sucesso em sua carreira, é inteligente e tem uma personalidade que beira o antissocial, sendo cínico e desacreditado em relação ao amor, estando mais ou menos confortável em seu desconforto de ter relações casuais e só; já o outro personagem é seu oposto, um total não-almofadinha do tipo que vai em festas para ficar sem camisa e usar boné, além de falar em grunhidos ininteligíveis e dialetos próprios, alguém bem mais extrovertido do que o outro, ainda que insatisfeito com sua vida profissional. Mas que combinação impressionante, não? Os roteiristas de “Bros” realmente se esforçaram na criação desse casal.
Quanto às representações de pessoas partes de minorias, “Bros” tenta usar da comédia para brincar com alguns estereótipos do senso comum sobre tais pessoas. Ao meu ver, nesse quesito, ele consegue criar humor a partir de situações e clichês associados a gays, ao passo que exagera em outras representações puramente por valor cômico sem tirar sarro nem ridicularizar ou fortalecer visões prejudiciais. Bobby, sendo naturalmente sarcástico e cirúrgico, não perdoa em suas observações afiadas sobre o mundo gay e as cenas que ele considera dignas de seu escárnio. Para ele, por exemplo, homens gays são muito inteligentes ou incrivelmente burros, com alguns sendo muito bem-sucedidos por sua competência e outros sendo incapazes de mais do que vestir alguma fantasia colorida, ir numa festa, berrar e perguntar para os outros por que eles não estão dançando. Sendo ele mesmo uma parte dessa classificação grosseira, isso só representa como seu personagem enxerga algumas coisas muito drasticamente.
Mas quem dirá quão danosas tais piadas e representações são não sou eu, cabe a alguma outra pessoa com maior conhecimento de causa. Só posso dizer que senti que “Bros” não é ofensivo em sua abordagem e até consegue ir longe em brincar com clichês existentes e ridicularizar outros clichês falsos, guardando espaço até mesmo para um ou outro comentário relevante, mesmo que estes não sejam sempre bem inseridos em meio a todo o resto. Ainda que não seja um desastre, só consigo imaginar como seria uma mesma história sem as amarras de um roteiro no estilo be-a-bá.