Eu nunca fui o maior fã de “Top Gun”. Conhecia as músicas, conhecia todas as cenas icônicas, sabia muito bem da reputação e de todo o sucesso que fez. Nos anos seguintes à primeira vez que assisti quando pequeno ainda, não fiz muita questão de assistir o filme outras vezes, não tanto quanto outros ditos clássicos. Principalmente os que eu tinha em VHS e DVD, até pela questão da praticidade e do valor de revisita infinito que alguns filmes tem, como continuações de Terror dos Anos 80 e “Terminator 2: Judgement Day“. Quando saíram os anúncios de uma continuação, não me animei muito, naturalmente. Parecia mais um na fila de continuações lançadas mais de 30 anos depois, outro se juntando à moda. Já não mais novidade, isso é fato, mas seria “Top Gun: Maverick” um dos que fazem jus ao clássico ou cheiram a caça níquel?
Mais de 30 anos passam desde a vez que Pete Mitchell (Tom Cruise) foi mandado para a academia de aviação da marinha onde apenas os melhores dos melhores frequentam, a Top Gun. O tempo se foi, pessoas foram e vieram, e Pete continuou fazendo aquilo que sempre quis e amou: voar. Nada impediu que ele fizesse isso até o momento, nem mesmo a perspectiva de promoções que o trariam honra e distinção foram o suficiente para fazê-lo trocar os ares pelo chão. Sempre inconsequente, Pete parece finalmente encontrar o fim de suas aventuras quando abusa um pouco demais da boa vontade de seus superiores e é tirado dos ares. Mas nem isso se mostra definitivo quando a ajuda de um amigo do passado o leva de volta para um lugar familiar… a academia Top Gun.
Faz tempo que saem notícias sobre “Top Gun: Maverick”. Por muito tempo pareceu que seria um projeto milionário cancelado antes de lançar, já que estava em desenvolvimento desde 2010 e passou, desde então, por alguns problemas. Tony Scott, o diretor do primeiro que iria dirigir também o segundo, cometeu suicídio em 2012. Seu script já estava terminado depois de passar pelas mãos de quatro roteiristas, e ainda passou por mais três depois que Joseph Kosinski se associou ao projeto como novo diretor. Não só isso, como houve certa intriga sobre alguns atores não retornarem à continuação, como Karen McGillis e Meg Ryan, e a luta de Val Kilmer contra o câncer na garganta entrando no caminho de seu retorno. Havia muita especulação e até um certo medo de ficar no inferno de desenvolvimento para sempre, mas deu tudo certo no final, relativamente. Menos para o “Twenty One Pilots” que foi demitido por Tom Cruise em prol de Lady Gaga na composição de uma música para o filme.
Depois de alguns atrasos por cortesia da pandemia, chega o lançamento em Maio de 2022. Eu ainda não tinha conseguido me empolgar com o lançamento e estava indo assistir mais por curiosidade. Revi o antigo um dia antes da sessão para tê-lo fresco na memória e fui. Não esperava sair do cinema tão empolgado. Foi uma das raras experiências em que o filme me deixou “preso” no assento, quase apertando os apoios de braço por empolgação e imersão no que estava acontecendo, tal como torcer para Rocky Balboa vencer na primeira vez que se assiste a “Rocky”. “Top Gun: Maverick” consegue o feito de ser um filme da ação que desperta empolgação e até dá um metafórico frio na barriga em suas cenas que fazem o espectador se sentir praticamente dentro do cockpit dos jatos. O que, obviamente, é a intenção da direção e algo que já vem de 1986, nada de novo sob o sol, mas que ainda funciona e merece o elogio, de qualquer forma.
É necessário ser um entusiasta sobre ficção militar, caças e aviação para aproveitar a obra? De forma alguma. Diria até que nem mesmo é preciso ser o maior fã do primeiro para aproveitar o que o segundo tem para oferecer. Ao contrário de filmes que se apóiam muito na nostalgia para funcionar, como “T2: Trainspotting“, ou são continuações diretas dos eventos de muitos anos antes, “Top Gun: Maverick” exige muito pouco do primeiro para se sustentar sozinho. Além do mais, ele também deixa de lado algumas breguices de que o primeiro parecia se orgulhar tanto, as tais coisas dos Anos 80 que os mais novos olham e sentem um pouco de vergonha. Para não dizer que não há nostalgia, há algumas recriações de cenas clássicas e outras que existem como ecos das originais 36 anos depois, nada como uma estrutura narrativa copiada e personagens novos escritos para ocupar a mesma função de outros antigos. Então não há mais um novo jogo de vôlei-testosterona, em seu lugar há um jogo de futebol americano na praia bem menos brega e que encaixa melhor na trama.
Se há um exemplo perfeito do que é uma continuação-legado, ou seja, uma continuação lançada muito tempo depois do original, seria “Top Gun: Maverick”. Tudo está em boa dose, sem exageros ou faltas. Até mesmo a participação de Val Kilmer é encaixada de forma que não seja pobre, apenas por um flashback ou computação gráfica, e sim usando a questão atual de saúde do ator como parte do personagem, tornando-o mais que uma aparição especial. Alguns personagens não voltam e nem por isso criam personagens para preencher o lugar exatamente como era. Nem o elenco novo recria a turma de aviadores de 1986, nem o novo interesse amoroso tenta ser uma nova Kelly McGillis. O que há de novo na história é muito bem vindo, com o papel dos aviadores militares sendo colocado em questão tendo em vista sua obsolescência possível com as aeronaves não tripuladas, os drones. A tecnologia só não vem cedo o bastante para impedir uma missão perigosa que pode significar o encurtamento da carreira de muitos daqueles jovens. Por mais militar, americano e na veia de filmes de ação, há variação e boas viradas para dar um ar de perigo à missão, longe de ser algo que o espectador tem certeza que vai dar certo desde o começo.
Francamente, esperava que esse fosse mais um da série de continuações que não acrescentam nada ao universo original ou à vida do espectador, que se esbaldam em nostalgia, reciclando temas, cenas e personagens em uma história que às vezes é uma exata cópia da original. Até porque o original nunca foi um excelente filme, ao meu ver. Sempre foi uma obra que cheirava aos Anos 80 excessivamente e fazia questão de ostentar todas as convenções de época, tal como exaltar a figura masculina com cenas de músculos contraindo, preocupar-se muito com quem é o melhor piloto e depender muito de diálogos feitos de bordões, nem um pouco naturais. Eu tinha um pouco de medo de “Top Gun: Maverick” ser a mesma coisa, com risco de beirar o ridículo com Tom Cruise repetindo as mesmas coisas de antes aos 60 anos. O lado bom é que a continuação sabe medir homenagens e referências sem cair na cópia e mostrar uma total falta de criatividade. Foi uma surpresa ver que, desses filmes nostálgicos, um deles consegue superar o original.