Lembro muito bem que “A Bruxa” foi um dos filmes mais polêmicos no Cine Grandiose. As postagens não costumam receber muitos comentários, porém bastou eu dar 70 de 100 para o filme de Terror de Robert Eggers para atiçar a fúria de vários espectadores e leitores que ficaram incomodados com a nota. Entre os comentários de destaque, houve de “Péssima análise, pretensiosa e sem visão” a gente falando que nem terminou de ler o texto. Havia uma certeza: o diretor conseguiu causar uma impressão e tanto, que mostrou alcance ao chegar até mesmo nos comentários do meu site. Quatro anos mais tarde, ele trouxe com “The Lighthouse” um flerte com terror psicológico em preto e branco e agora, mais três anos depois, “The Northman” coloca a cultura viking no primeiro plano de uma história sobre vingança.
Quando pequeno, o príncipe Amleth (Alexander Skarsgård) gozava de uma posição contente sendo filho de um rei respeitado, amado também por sua orgulhosa mãe, a rainha Gudrún (Nicole Kidman). Mas ele perde tudo isso em apenas um momento, quando o rei é emboscado, alvejado por flechas e finalmente degolado por seu próprio irmão, que usurpa seu trono e rouba tudo que era dele, inclusive sua rainha. Amleth consegue fugir em meio ao caos, jurando salvar sua mãe, vingar seu pai e matar seu tio.
Parece que Bill Skarsgård queria fazer um filme de viking e Robert Eggers discutiu com ele possibilidades de um próximo projeto, com “The Northman” representando a combinação dos dois interesses em uma história sobre aquilo que pode se esperar de vikings. Não assisti ao seriado “Vikings” para dizer quão similar os dois são, o que posso dizer é que de um ponto de vista externo, de quem conhece os estereótipos e os arquétipos, essa obra traz o que se espera com não muitas surpresas. Violência? Sim. Brutalidade? Também. Homens esculpidos de barba e cabelo compridos? É claro. Até aí, não há problema em encontrar esses elementos populares, tão frequentes quanto explosões e tiros em filmes de ação, por exemplo. A frustração começa quando a história mostra beber de uma fonte que, embora excelente, já foi vista vezes demais talvez e aqui não tem o mesmo brilho que em outras releituras.
E qual seria essa base? William Shakespeare e seu clássico, “Hamlet”. Está tudo ali, o protagonista que perde tudo em um momento quando seu tio mata seu querido pai, rouba a rainha para si e toma o reino inteiro como seu. Ele se vê desamparado e só enxerga a vingança como possibilidade de reparar a situação, matar todos os envolvidos na tramóia e ver tudo voltar ao normal assim que isso estiver concluído. Basta matar o tio, seus comparsas e tudo fica certo. No fim, a simplicidade da visão do personagem se mostra também o catalisador de seu destino que, como pode-se imaginar, é cercado de tragédia desde sempre. Mas será Shakespeare a fonte de fato? Há um porém que indica que a inspiração não foi tão óbvia ou direta ao ponto: Robert Eggers, na verdade, foi atrás do conto nórdico que inspirou William Shakespeare, em primeiro lugar. Genial, não? Talvez não muito quando os beats principais se mostram praticamente os mesmos, então na prática continua sendo um proto-Hamlet moderno com roupagem viking, que já era a roupagem original do conto.
É claro, pode-se simplesmente esquecer tudo isso e apreciar “The Northman” pelo que ele apresenta no momento. Trata-se de uma história de vingança em sua essência, uma que não consegue fugir muito dos estigmas de suas inspirações, de qualquer forma, e que também a transcende em momentos. De começo, Eggers não perde tempo em trazer o evento trágico já no começo para colocar o protagonista em sua missão. O desenvolvimento que vem depois, entretanto, não consegue manter o ritmo e deixa “The Northman” se tornar uma experiência por vezes cansativa até que os eventos voltem a reconquistar o interesse do espectador.
Esses momentos vêm por meio das cenas de ação, que por sua natureza mais agitada costumam diversificar o ritmo da obra e até reequilibrar histórias que sofrem com cenas muito lentas. É mais ou menos isso que acontece, embora não sem alguns poréns no processo. A ação de fato deixa “The Northman” mais engajante com sua alternância de intensidade animando a atmosfera, e isso seria uma solução sem problemas se não fosse um detalhe estranho em sua execução. Ao que parece, Eggers tenta alcançar o clássico Santo Graal da direção cinematográfica de criar planos-sequência complexos, longos e que deixem ambas crítica e audiência num consenso de admiração e aplauso. Não é bem isso que acontece, mas também não vou dizer que é por simples incompetência, talvez um descuido na produção ou decisão estilística que não funciona. Não é que faltem eventos paralelos capturados junto da ação principal ou como se a coreografia fosse ruim, ela só parece muito lenta às vezes. Lenta mesmo, como se os movimentos fossem realizados mais devagar, tal como acontece num ensaio, para que haja tempo de sobra para o outro ator reagir ao movimento sem chance de errar.
Poderia até achar que foi uma percepção errada, mas foi uma que apareceu mais de uma vez para confirmar meu palpite. Algo parecido acontece com algumas interpretações, nas quais parece que a direção estabeleceu uma precedência de formalidade sobre naturalidade, ou seja, os personagens parecem autoconscientes que são vikings recitando frases usando vocabulário antigo. Realmente parece em alguns momentos que a direção não parece tentar deixar os diálogos naturais. Ainda que con deslizes perceptíveis, “The Northman” permanece uma experiência que vale a pena nem que seja pelos seus visuais incríveis ou pela história, que, embora batida, não deixa de fornecer um bom plano de fundo para novas idéias e roupagens. No fim, vikings urrando e furando entranhas, seu suor fundindo-se com sangue respingado e terra molhada e chuva, ainda funciona.
2 comments
Caio, bom-dia!
“The Northman” me lembrou a história do “Rei Amleth” do autor Saxo Grammaticus.
As pessoas teem que preparar-se para assistir um filme. Assistir por assistir não aciona a sensibilidade da 7a. Arte. Afinal, os filmes provém da Luz e brilha diferente dentro de cada um. Enfim, perto de “drogas cinematográficas” que existem por aí, “The Northman” não decepciona. Muita Luz e Saúde para você.
Bom dia! Pois é, comento sobre a inspiração em outra obra pré-Shakespeare, bem essa que você mencionou. Realmente, perto de tanto lixo que há por aí, independente ou comercial, o filme merece atenção pelo que se propõe e pelo que de fato conquista, embora não chegue a ser excelente. Abraço!