Por muito tempo, não fui o maior dos fãs de “West Side Story“. Conhecia por reputação e decidi assistir para ver se era mesmo um dos melhores musicais da história, já empolgado pelo fato de Robert Wise ser o diretor desde o começo. Enfim acabei assistindo, gostando, mas não muito. Era apenas bom. Competente também. Só não havia impactado como outras do gênero que eu havia visto na época. Mesmo assim, guardei o filme no fundo da gaveta sabendo que um dia veria novamente, senti que havia algo mais que talvez eu não tivesse entendido na época ou talvez que merecesse mais uma chance. Foi uma decisão acertada, ainda que atrasada em 5 anos. Terá Steven Spielberg pensado nessas pessoas que não gostaram tanto do original de 1961 ao planejar essa refilmagem?
Certamente houve bastante gente que passou a opinar sobre sua versão preferida. Se me perguntassem ao meu eu de 2014 qual meu favorito, diria que o novo de Steven Spielberg é o melhor. Hoje, a resposta é diferente. Tendo dado mais uma chance ao clássico e apreciando um tanto mais do que a primeira vez, parece que o novo “West Side Story” carece de algumas qualidades sutis e que não parecem tão importantes quando apontadas em um primeiro momento. Quem diria que charme seria um aspecto tão importante? Não é algo que eu costumo apontar em análises como crucial para o sucesso de um filme, não tanto quanto a funcionalidade de um roteiro, a fidedignidade de uma performance ou a presença da música. Todavia, é o que mais falta aqui, uma obra que é igual ao seu predecessor em praticamente todos os elementos. A trama é um deles.
O Upper West Side de Nova York dos Anos 50 é palco para um atrito constante entre duas gangues juvenis: os Jets, americanos brancos, e os Sharks, compostos por imigrantes porto-riquenhos. Cada dia traz uma nova provocação, uma nova briga e uma nova agressão de alguma das partes. Uma quer firmar o bairro como seu território por direito, Nova York para os americanos, enquanto os outros tentam firmar sua posição por direito de imigrantes numa nova terra. As coisas perdem o controle quando as duas gangues marcam uma grande briga para definir para sempre a dominância de território. No entanto, Tony (Ansel Elgort), co-fundador dos Jets, e Maria (Rachel Zegler), irmã do líder dos Sharks, escolhem justo esse momento para se apaixonarem. Contra a vontade dos dois lados, claro.
É praticamente a mesma coisa. Não há nem como tentar dizer o contrário. No máximo, apontar que não é uma refilmagem quadro-a-quadro, até porque essa nem é a proposta. “West Side Story” é, na verdade, uma readaptação do musical da Broadway que o clássico de 1961 adaptou: mesmas músicas, mesmos números e até a mesma direção e coreografia de Jerome Robbins. Spielberg muda um tanto as coisas e traz Justin Peck para criar novas coreografias e David Newman para supervisionar a música. Novos nomes, mas nada que mude tudo completamente, então para não dizer que não há nada em comum com a versão de 1961, ambos incorporam alguns elementos exclusivos dessa última. Ainda é um meio termo esquisito, nem para lá, nem para cá: nada que vá fazer alguém achar que é uma cópia descarada, nem que mude o bastante para dar um ar de originalidade absoluto. Se há uma mudança perceptível aqui, é de tom e de estilo.
Se isso funciona melhor, vai de cada espectador. “West Side Story” perde muito de sua identidade anterior no processo de reimaginação. Isso é bom? Depende muito. Uma mudança de aparência e de visual faz todo o sentido a fim de causar uma impressão de novidade num público que talvez ficaria bravo por pagar para ver a mesma coisa. É o mínimo que alguns aceitariam, porém quando se fala em identidade, mais do que o visual está envolvido, e isso é fundamental para que a execução do clássico de 1961 seja extraordinária, não apenas resumida a competente. Essa é a diferença substancial entre duas versões que fazem muito bem aquilo a que se propõem. Uma tem vida e soa como uma unidade criativa mais vibrante, ao passo que a outra é o trabalho de um profissional com recursos e habilidade, mas sem um diferencial que sempre existe em uma interpretação criativa distinta. Nem mesmo a experiência vasta de Steven Spielberg como cineasta funciona nesse sentido, pois não é como se ele dirigisse a história muito melhor que Robert Wise.
Ela ainda é Spielberg, e um Spielberg dos bons. “West Side Story” é uma obra feita com cuidado e dedicação evidentes, com o capricho e a proficiência necessários para fazer a qualidade técnica se sobressair sem mais. É como acontece com pessoas: pode-se juntar duas pessoas muito bonitas e uma se sobressair por ter mais sal, mais charme, mais apelo. É uma característica por vezes difícil de descrever e que está presente mesmo assim. É fácil perceber. Quando essa nova versão decide trocar o figurino anterior, que era quase como um uniforme das facções, por roupas mais realistas fotografadas sob uma ótica mais realista algo se perde. Devo confessar que foi estranho num primeiro momento ver uma gangue andando e dançando na rua e até brigando como se fosse uma dança — ou dançando como se fosse uma luta — mas essa impressão eventualmente cedeu lugar para o reconhecimento de uma coreografia brilhante. A versão de 1961 não tenta esconder que é um musical em nenhum momento e deve parte de seu sucesso a isso.
Antes era lúdico e leve, quase como uma brincadeira que em algum momento se torna séria. “West Side Story” é seu irmão que se leva muito a sério. As brigas são brigas com sangue e um tanto de violência, por exemplo, os golpes sentidos e deixando marcas perceptíveis. É realmente uma briga por território de vida ou morte, com ainda uma dose de drama envolvendo gentrificação e pertencimento a um território. No geral, os mesmos temas que antes haviam sido abordados ou pincelados, só que com uma mão mais pesada. Temas relevantes? Sim. Temas relevantes que parecem um pouco largados? Também. Ver isso e ver roupas fidedignas de época vestindo os personagens, assim como uma atmosfera puxando para o realismo, talvez até um realismo mais soturno do que uma visão normal, faz com que essa readaptação por vezes pareça uma versão do Universo Estendido DC de um musical originalmente colorido.
Novamente, é uma visão diferente que ao menos tem o suporte de um cineasta com capacidade e recurso para sustentar sua nova visão com proficiência. Funciona em muitos sentidos, não todos, e se sai bem o bastante para ser um irmão de respeito para o clássico de 1961. Só não consegue superá-lo, sem dúvida. Odeio ser o chato que faz dúzias de comparações e pede para ser acusado de não apreciar o novo trabalho por ter o antigo em mente. Acontece. É quase inevitável quando se tem George Chakiris de um lado e David Alvarez. Etnias à parte, o primeiro traz um personagem muito mais cativante. Há exceções, felizmente, e Ansel Elgort mesmo é um ótimo exemplo de ator que não deixa saudade do antigo, assim como Rever Rita Moreno foi um extra muito bem-vindo e nem um pouco forçado. No fim, as próprias músicas são o melhor avatar de minha opinião: os novos arranjos e reorquestrações são bons, mas os antigos ainda são melhores.
1 comment
Sou mais a versão de Robert Wise. Não ví a do Spielberg. Chega de sangue. O mundo já está coalhado de violência. Gostei da suas impressões. Muita Luz a você Caio Bogoni.