Devo admitir que ao ver que Will Smith estava no papel principal, tive um leve receio. Não porque desgosto dele ou algo do tipo, mas meu histórico com o ator em papéis dramáticos não foi dos melhores. Parece um pouco com o que li uma vez sobre “Seven Pounds” e como ele era uma tentativa descarada de Smith trabalhar num filme que não tenta esconder nem um pouco quão melodramático é. Mas “King Richard” me chamou a atenção pelo assunto principal da história: as duas irmãs que sonhavam em se tornar as maiores estrelas do tênis, Venus e Serena Williams. Para mim, os nomes não diziam nada, mas quem acompanha o esporte profissionalmente deve reconhecê-los e já saber do que se trata.
Richard Williams (Will Smith) mora num bairro suburbano de Los Angeles com sua esposa, Oracene (Aunjanue Ellis), e suas cinco filhas. Para três delas, ele tem um plano. Venus (Saniyya Sidney) e Serena (Demi Singleton) treinam todos os dias sob qualquer circunstância para serem as maiores jogadoras de tênis de todos os tempos. Sem dinheiro, com pouco tempo, quase nada de recurso ou apoio, Richard segue acreditando e treina suas filhas como pode para que tudo seja mais que só um sonho ambicioso.
Pelo pouco que li das opiniões gerais sobre “King Richard”, há mais ou menos um consenso sobre ele ser uma história biográfica que foge dos clichês vistos com frequência na temporada de premiações e também um ponto alto na carreira de Will Smith. Isso tudo conta meia verdade. A primeira parte pode ser enganadora ao dar uma noção de que essa é uma história baseada em figuras reais diferente da maioria. Isso com certeza não é. Talvez tenham enxergado algo novo na idéia de expor algumas facetas menos elegantes do personagem principal e não deixar prevalecer um tom exclusivamente inspirador e grandioso, como de costume. Exceto que as obras que mais se entregam a essa dominância tonal sobre heroísmo infalível são também as mais clichês. Diferente disso com certeza é, não muito extraordinário em comparação com os bons exemplos de obras biográficas.
Sobre a segunda parte, de fato não posso contestar que Will Smith apresenta uma performance muito boa no papel de Richard Williams, um pai que quer o melhor para suas filhas. Duas delas, pelo menos, enquanto as outras três têm um papel de coadjuvante a nulo. Ele quer porque quer que elas sejam bem-sucedidas e aposta todas as fichas na perspectiva de que elas vão se tornar os próximos nomes do tênis, um esporte tido como branco no geral. Era uma questão de orgulho étnico, familiar e de realização própria. Ou será que era mesmo? Ao que é sugerido pontualmente, há um lado um tanto egocêntrico e sensacionalista-midiático vindo da personalidade dele. Quem sabe as boas intenções não fossem tão altruístas como ele tentava dar a entender. Como o protagonista de “King Richard”, Smith brilha em trabalhar todos os lados do personagem para além do pai dedicado e que busca a glória de suas filhas. Não sei de onde surgiu o “Rei” do título ou o que ele fez para merecer isso, de realeza e classe não há muito de sua parte. Ou quem sabe seja irônico? Seria ácido.
Smith consegue trazer um quê de profundidade que às vezes a história falha em transmitir. Críticas foram feitas em cima da retratação glorificada do homem, algo que só é verificável por alguém que conheça a vida do indivíduo mais a fundo, então, analisando pelos eventos concretos que a trama traz, é possível ver que há uma tendência de colocar Richard em uma ótica favorável na maior parte do tempo. Mesmo quando ele pensa em cometer um ato questionável, é porque ele parece justificado em seu estado emocional passional; seu esforço, cansaço e determinação tomam um lugar mais à frente do que suas atitudes controversas.
O nome indica com clareza quem é o protagonista da história. Quem não conhecia a história — eu incluso — eventualmente pode perceber que as figuras famosas mesmo são as filhas que cresceram para se tornar mesmo duas tenistas exímias, e então estranhar que o filme tenha sido feito para contar a história do pai delas. Essa é a parte curiosa da proposta de “King Richard”: explorar uma figura importante, não a mais importante da grande história. E é assim que ele se porta por tempo, até começar a mudar o foco da história progressivamente para as meninas e depois, sem muita explicação, para só uma delas. Das três outras irmãs, duas não me recordo do nome e uma participa muito brevemente de uma subtrama curta antes de desaparecer. Agora, desaparecer com uma das principais? É em momentos como esse que “King Richard” demonstra problemas de narrativa descompensada e até longa demais, eventualmente perdendo um tanto o foco e finalizando num clímax que centraliza todas as resoluções num mesmo ponto sem muita organicidade.
A pior parte dessa tendência de perder o brilho é de longe, muito longe, a trilha sonora composta por Kris Bowers. Se há algo que exclama clichê nessa obra é a parte musical que falha em acompanhar os sentimentos pedidos pela trama, os momentos que pedem uma melodia para acentuar uma nota emocional ou estabelecer tom. É universal a sensação de que “King Richard” trata seus eventos com a leveza de quem já sabe que o sucesso é garantido no final. Obviamente, é assim que as coisas de fato aconteceram, o que não deveria impedir o filme de ao menos tentar enganar o espectador por alguns momentos e fingir que de fato há algum risco de fracasso. Nesse quesito, a curva dramática tem a mesma potência de uma historinha de Tik-Tok sobre alguém famoso com música feliz ao fundo.
Por sorte, “King Richard” não foi mais um “Seven Pounds”. Ao menos no que tem a ver com Will Smith, não há do que reclamar; nem de sua performance, nem de seu personagem ou de sua caracterização. No mínimo, esse não é um veículo para o ator promover a imagem impecável, carismática e de amigão da turma que ele manteve por muito tempo. Ainda que o roteiro aparentemente tenha limpado um pouco a imagem de Richard Williams, escondendo partes menos elegantes de sua personalidade e de sua história, fica evidente que não é uma distorção que tenta glorificar artificialmente sua figura. Em outras palavras, fica claro que Smith não tem medo de sujar as mãos ou a imagem cinematográfica que ele sempre tentou conservar. O resultado só não é melhor pela abordagem exageradamente branda na maior parte do filme.