Falar sobre “Halloween” me traz lembranças interessantes. Por ser fã de filmes de Terror desde pequeno, já conhecia o rosto e a figura de Michael Myers muito antes de assistir a qualquer filme seu. E como um jovem entusiasta por “Sexta-Feira 13”, lembro de encontrar um site chamado “Halloween Brasil” que tinha análises de outras obras do gênero; mais especificamente, lembro de que o site dava notas baixas para qualquer coisa sobre Jason sem dó, alegando que tudo era uma cópia barata de Michael Myers. Na época, fiquei com tanta raiva quanto era adequado a um garoto de 13 anos. Hoje, é mais fácil entender pelo menos de onde vinha parte do ódio dos fãs de “Halloween”: “Friday the 13th” e Jason de fato emprestam muito da obra de John Carpenter, e até os criadores admitem isso. Se Jason se tornou um personagem mais distinto que o próprio Myers, aí é outra história.
Numa noite de Halloween de 1963, o jovem Michael Myers de 6 anos entra mascarado no quarto de sua irmã mais velha e a esfaqueia até a morte. Quinze anos depois, outra noite de Halloween recai sobre a suburbana cidade de Haddonfield. As crianças se preparam para pedir doces ou travessuras, os adultos abastecem suas casas e a jovem Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) segue com sua rotina de babá de fim de noite. No entanto, é também a noite em que Michael Myers foge de seu sanatório para fins desconhecidos, e certamente mal intencionados.
A parte engraçada de toda a história, e irônica, é que de fato há sentido quando comparam qualquer slasher com “Halloween”. Ele, junto com “Peeping Tom” e “Psycho”, compõem os predecessores daquilo que viria a se tornar um subgênero popular durante a década de 80. Faz mais sentido ainda comparar Michael Myers com Jason Voorhees porque ambos são brutamontes de força e durabilidade inumanas cuja marca é uma máscara. Até que ponto tudo isso é uma cópia intencional, não há como saber ao certo, apenas existe a certeza que “Halloween” foi muito influente em seu lançamento e com motivo razoável para isso, uma vez que é um trabalho fino que se coloca entre os melhores de John Carpenter. Afinal, apenas um grande sucesso poderia incentivar outros a seguirem seus passos, ou melhor, seguir o dinheiro. Mais do que tudo, essa foi a galinha que botou os ovos de ouro, o resto acabou fazendo a colheita.
Desmantelar o conjunto revela os elementos que fazem desse um ótimo item no panteão do Terror e do subgênero Slasher, em específico. A primeira coisa a se notar ao revisitar, depois de já conhecer os posteriores, é perceber como esse é um filme bastante calmo. Sem pressa. Não no mal sentido, afetando a fluidez e prejudicando a experiência de forma que o ritmo fique sacal, eis uma história ainda não infectada pelas convenções de gênero, as mesmas que ela ajudou a criar a foram desenvolvidas por outras obras. Por exemplo, não há como comparar esse com “Halloween Kills” e sua proposta de ser um banho de sangue em forma de longa-metragem, buscando agradar os fãs de mortes criativamente brutais pelas mãos de um assassino popular. “Halloween” faz tudo na medida certa: apresenta o famoso incidente incitante logo no começo, colocando o assassino à solta; então estabelece as possíveis vítimas e as acompanha. Assim se estabelece a tensão que sustenta a história toda, é mais algo sobre perseguição do que assassinato em série.
Ainda não existe a intenção de criar uma experiência visceral baseada em violência ou mortes em sequência, de quase glorificar o assassino pela maior parte do tempo e fazer a audiência gostar de acompanhar sua carnificina em uma fuga voyeur controversa que dura até o último sobrevivente derrotar o vilão. Temporariamente, isto é. “Halloween” me lembra “The Exorcist” em certo sentido por muitas vezes estar mais preocupado com contar uma história e estabelecer atmosfera do que apelar para outros artifícios. Não que mortes às dezenas não possam compor entretenimento satisfatório, eu mesmo gosto de vários slashers nesses moldes, mas também não posso dizer que é uma forma sofisticada de cinema. John Carpenter aborda o Terror de forma clássica, tradicional no bom sentido, sem se entregar a clichês estabelecidos em outras eras e, assim, ironicamente estabelecendo um novo molde para futuros trabalhos.
Sem foco na quantidade de vítimas, que nem chega a passar de meia dúzia, resta ao filme tentar vender uma trama sobre um homem misterioso de máscara branca e sem expressão que fica parado em pontos da cidade observando os jovens que passam por ali. Nada de muito complicado. Talvez seja essa a genialidade por trás de “Halloween”? Alguns podem traçar comparações com outras séries e afirmar que Michael Myers não tem muita história comparado com a motivação de Pamela Voorhees para matar os monitores do acampamento, de Freddy Krueger ser morto pelos pais das crianças que ele assassinou em vida antes de voltar do inferno ou mesmo de Chucky transferir sua alma para um boneco para fugir da morte. Faz sentido. Por outro lado, é também parte do conceito de Carpenter por trás da figura do vilão. O que ele quer? Por que ele fica parado sem esboçar nenhuma intenção ou sentimento? Seu rosto é branco e sem expressão notável nos traços da máscara. Ele nem mesmo é chamado pelo nome direito, sendo referido pelos personagens como Mal Encarnado e Bicho Papão e como The Shape nos créditos. Foi apenas nas continuações que Michael Myers passou a ser chamado e conhecido assim, toda a motivação de Laurie ser sua irmã também é criada depois.
Não diria que esse é um filme assustador, porém ele com certeza usa o mistério e a falta de informação a seu favor. A máscara icônica nada mais é do que uma do Capitão Kirk de William Shatner pintada de branco. Não há uma motivação sólida exceto talvez por uma doença mental apenas mencionada no começo. E, no entanto, esse arranjo básico funciona. “Halloween” é como sua música tema: sem muita complicação, apenas algumas notas num sintetizador que acabam por criar uma melodia atmosférica. Quem sabe isso não incentivou cineastas a tentarem a sorte com produções simples em busca de lucro máximo? Aliás, que dúvida.
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Boo hahahahaha