Não sei de onde saiu a idéia de fazer um filme solo. Ou melhor, antes de terminar a frase tive uma idéia bem crível: com o acordo entre a Sony e a Disney para trazer o Homem-Aranha para o Universo Cinematográfico Marvel, por que não aproveitar o resto dos personagens enquanto ainda se tem direitos sobre eles? E é claro que do herói vem primeiro um de seus maiores vilões, ninguém menos que Venom e sua estréia em 2018 com um filme bastante ruim e um porém: ele fez, de alguma forma, uma bilheteria bem maior que seu orçamento. Agora, o que esperar de “Venom: Let There Be Carnage”, a continuação de um filme dos mais fracos? Um filme fraco, o mais provável, ou uma grande surpresa.
Eddie Brock (Tom Hardy) segue sua vida como normal. Ou melhor, no que acabou por se tornar normal depois que um alienígena simbionte senciente passa a usar seu corpo como hospedeiro. Sem esposa e quase sem trabalho, Eddie tenta salvar ao menos sua carreira com um furo exclusivo entrevistando Cletus Kasady (Woody Harrelson), um assassino e psicopata condenado à pena de morte por seus crimes. Cletus só concorda em conversar com Eddie e mais ninguém, algo que a polícia tenta explorar para encontrar vítimas desaparecidas. No entanto, esses encontros tomam um caminho perigoso quando o assassino entra em contato com o simbionte.
Não sei nem por onde começar essa análise sem deixar completamente óbvio minha posição. Ou talvez já tenha feito isso no primeiro parágrafo. Com ou sem mistério, se você continua lendo esse texto sem ter rolado a página até o final para ver a nota, eis meu parecer sobre “Venom: Let There Be Carnage”. Seu predecessor, “Venom“, usa a atualmente popular técnica da cena pós-créditos para mostrar Woody Harrelson numa peruca horrenda falando uma frase qualquer só para criar a deixa para dizer a palavra carnificina. Com essa oportunidade imperdível, é claro que os fãs criaram expectativas para o que prometia ser o melhor filme de herói de todos os tempos, um para redimir os pecados de seu predecessor e desafiar as convenções do gênero ao usar um vilão que incorpora o caos e a violência em seu ser. Ou não.
Originalmente, Carnificina é um vilão que nasce do simbionte negro quando esse deixa um resquício de si para trás numa prisão e essa nova criatura encontra um hospedeiro em um assassino em série. O elo entre os dois é fortalecido exponencialmente pela combinação da índole homicida de Kasady com a inclinação do simbionte de despertar os desejos obscuros de seu hospedeiro. Isso é o que está nos quadrinhos. Assim como o Homem-Aranha não se adaptou ao alienígena porque sua personalidade heróica era incompatível, a criatura funcionou especialmente bem com um assassino porque o terreno já era fértil de início. Por isso o Carnificina é mais forte que Venom, além de sua falta de escrúpulos proporcionar uma matança generalizada e gratuita. A base para “Venom: Let There Be Carnage” é essa, o pior inimigo do personagem dando as caras.
Uma das inspirações para “Venom: Let There Be Carnage” é o arco “Carnificina Total”, publicado em 1993 nas revistas do Homem-Aranha. Por muito tempo, foi uma história que tinha minha curiosidade por eu lembrar de ter lido uma parte na época dos formatinhos da Abril, sem recordar de detalhes ou de como acaba. Consegui matar a vontade recentemente, quando a Panini publicou em capa dura todas as 14 edições do arco. Infelizmente, não foi a melhor das experiências quando a história se mostrou um misto de clichês com enrolação, soluções convenientes e uma conclusão insatisfatória. Se isso for indicativo de algo, talvez mostre que o material-base não ser dos melhores poderia resultar em algo de similar qualidade. Colocando “Venom” como um fator adicional e o que se tem não é a grande surpresa, mas um resultado previsível.
“Venom: Let There Be Carnage” tem um vilão que combina um alienígena assassino com um psicopata criminoso. E se chama Carnificina. Esse filme pedia para ter uma classificação indicativa de 18 anos. Não parece haver outra opção lógica. Que outra forma de explorar um ser homicida com capacidades amplificadas a um nível super-humano? O que alguém como ele faria nessa situação além de chacinar todas as pessoas inocentes de quem sente raiva, desprezo ou qualquer sentimento negativo que alimente sua vontade de apagar suas vidas do presente? Mas não, o que se encontra é uma classificação indicativa de 14 anos, o famoso PG-13 nos Estados Unidos. Eis o primeiro desperdício, o segundo é não escolher uma peruca melhor para Woody Harrelson.
Todavia, abrindo a mente para permitir que alguma versão dessa premissa possa dar certo e experimentando o que “Venom: Let There Be Carnage” tem para oferecer, o que se encontra é praticamente a mesma coisa de antes. Nem dá para dizer que há algum tipo de novidade em ver Venom enfrentar um similar seu porque isso já foi usado no clímax do anterior com o vilão Riot. A diferença é que agora o vilão é vermelho e mais conhecido entre os fãs de quadrinhos. Conhecido pelo que? Pela matança e temperamento insano, mas isso não vem ao caso dessa vez. Resta a interpretação de Harrelson como Cletus Kasady, a qual já faz grande coisa por não se deixar cair na galhofa como seu parceiro Tom Hardy. Quanto a isso, continua a mesma dinâmica de transformar o simbionte em uma personalidade individual que passa o tempo todo falando com seu hospedeiro. Em vez dos dois se tornarem uma coisa só e terem um elo quase invisível com comunicação telepática, a idéia é transformar tudo numa comédia pastelão no maior estilo “buddy movie” com um toque de “Mamãe, tem um alien dentro do meu corpo e ele é um pé no saco”.
Isso continua. E, pior, torna “Venom: Let There Be Carnage” outro filme tão absolutamente sem graça quanto o primeiro. E não digo sem graça no sentido de ser insosso, e sim por tentar muito ser engraçado e não conseguir. Várias e várias e várias vezes. Ainda não foi possível conceber Venom como uma vozinha dentro da cabeça de alguém sugerindo fazer besteirinha em toda oportunidade. “Que tal comer a cabeça desse cara, Eddie?”, disse o monstro pela vigésima oitava vez, sem ter graça desde a quinta. Se a ação ainda fosse um fator redentor, quem sabe a obra fosse um pouco mais bem-sucedida. Não. A história prefere gastar 45 minutos com melodrama entre parasita e hospedeiro e com a dieta de Venom baseada em galinhas e chocolate. Há pouca ação e até esse pouco é bem insatisfatória, empurrada em grande parte para um clímax que ainda peca por não aproveitar bem nem essa quantidade pequena. Triste repetição de um fracasso.