Sempre gostei de Mortal Kombat mais do que deveria. Quando pequeno, era fascinado pelos famosos Fatalities que só meus primos conseguiam fazer no final das lutas. Eu não tinha a mínima idéia do que apertar para fazer Jax crescer e esmagar seu inimigo com a sola do coturno — seja lá qual o sentido que isso fazia — e a resposta estava em revistas surradas dentro do armário porque não havia smartphones com os comandos fáceis. Nessa época ainda era comum gostar da série, era o auge da popularidade e anos antes do Playstation chegar com o 3D para começar a estragar a série. E é claro que até a situação melhorar de novo eu joguei tudo, jogos bons e ruins, e, inclusive, vi os filmes. Uma adaptação que tomava algumas liberdades e se desviou um tanto do material original, mas ainda era decente. Isso foi em 1995. Esquecendo a continuação horrenda, passam-se mais de 25 anos até chegar uma nova estréia da série no cinema.
Cole Young (Lewis Tan) ganha a vida como lutador de MMA e não um dos melhores, apanhando em praticamente todas as suas lutas e seguindo em frente apesar de parecer não haver perspectiva. É uma vida pacata e sem muitas surpresas, que de repente é abalada quando Sub-Zero (Joe Taslim) aparece para matá-lo, um ninja que manipula gelo de acordo com sua vontade. Sem entender nada, Cole se coloca em fuga até que se vê unido de Sonya Blade (Jessica McNamee) e passa a compreender melhor o que está acontecendo. Seu caçador é enviado a mando de um poderoso ser de outra dimensão para matar os defensores da Terra desprevenidos e conquistá-la sem resistência.
Diferente de alguns casos de refilmagens e reboots, “Mortal Kombat” estava precisando de uma atualizada no cinema. Em 1995, a tecnologia de computação gráfica ainda tinha muito para melhorar e não permitia que alguns conceitos dos jogos fossem representados com fidelidade. O orçamento também não era gigantesco, então não havia como injetar dinheiro em sets, efeitos práticos e treinamento dos atores para cenas de luta complexas. Sacrifícios foram feitos e, de algum jeito, ainda se conseguiu atingir um resultado razoável, mesmo que bem diferente da violência explícita e exagerada dos jogos. Foi uma adaptação no sentido real da palavra, um conceito adaptado para um filme com classificação indicativa de 13 anos. Ainda hoje é respeitado entre os saudosistas e espectadores que foram maltratados ao longo dos anos por adaptações infelizes de outros jogos, mas está longe de ser um grande filme por si. Estava na hora de uma mudança.
A situação melhora um pouco com a classificação R — Restrito nos EUA, 16 anos no Brasil — pois com ela vem a possibilidade de violência, profanidade e conteúdo adulto. Efeitos especiais também se tornaram muito mais acessíveis e até o número de personagens da série aumentou. Bons sinais, certo? Por um lado, sim, pois as lutas melhoram em competência e finalmente ostentam a identidade da série, com violência, brutalidade e tudo mais, essencialmente a parte boa da experiência. Então seria só uma questão de reaproveitar a história que todos conhecem sobre um torneio de artes marciais que regula a política imperialista entre dimensões; são os deuses fazendo o papel de um Estado grandioso e evitando que as nações guerreiem sem protocolo adequado. Há ninjas, monstros de quatro braços, poderes especiais e guerreiros se mutilando sem dó para salvar sua realidade. “Mortal Kombat” soltou informação aos poucos, um pouquinho em cada trailer e quase sempre alguma coisa já previsível que não revelasse nada sobre a nova abordagem. Era sabido que explorariam o clichê de Sub-Zero contra Scorpion e não muito mais.
A primeira surpresa de “Mortal Kombat” foi ver que não é mais Liu Kang o protagonista e o principal defensor da Terra, e sim um personagem completamente novo chamado Cole Young, um lutador profissional especializado em apanhar. Sim, o personagem principal de um filme de luta não sabe lutar. Imagina-se que a idéia com isso era introduzir um elemento novo de forma que todos os personagens conhecidos, sem exceção, fossem coadjuvantes e tivessem participações equivalentes. Outra possibilidade era a do vira-lata, o sujeito que não começa superpoderoso ou envolvido em uma profecia que garante que ele vencerá no final, assim se dá vulnerabilidade e uma sensação de perigo como Indiana Jones ou John McClane. São idéias justas na teoria, fazem todo o sentido quando se pensa em ter alguém novo e também explorar o extenso elenco de personagens populares de forma igual.
O resultado é outro: “Mortal Kombat” acaba com um protagonista genérico e incoerente nas mãos. Tudo bem criar um lutador novo, mas poderia ter sido alguém melhor que o insosso Cole, que só não existe por completo acidente por conta de uma conexão com outro personagem e de um novo elemento de enredo criado para justificar a existência dos poderes especiais. Os especiais feitos com “Baixo + Lado + X” agora possuem uma justificativa lógica dentro do universo no maior estilo de “Halloween” e outras releituras que tentam racionalizar demais coisas que apenas não precisavam de explicação. Claro, fazer o Jax ficar do tamanho de um arranha céu e pisar no inimigo em uma ode ao exagero seria ridículo, mas para quê tentar exibir a lógica por trás do fogo na mão de Liu Kang e as bolinhas cor-de-rosa de Sonya Blade? É desnecessário e, além disso, tosco da forma que é colocado aqui. Basta ver o que fazem com os poderes de Kano (Josh Lawson) para uma ótima demonstração.
Para um filme tão preocupado com regras sólidas para seu universo, “Mortal Kombat” se mostra bastante desleixado em outras áreas. Algumas bobas, algumas não e todas graves de sua forma. A dinâmica por trás dos poderes é uma, outra é a obsessão em fazer referência forçada aos jogos a cada poucos minutos, mais uma é a ausência completa do campeonato que dá nome ao filme e das regras que existem justamente para evitar caos de invasão interdimensional. Como é mostrado na história, não há regras, e se há o próprio roteiro não as respeita. A mais grave é também a mais básica, um relaxo narrativo que não consegue fazer a experiência ser balanceada e apela para a clássica resolução conveniente porque sim antes de cair num clímax clichê e um final que dá abertura óbvia para continuações. Mal posso esperar para as próximas aventuras do lutador genérico incompetente ao lado de personagens famosos lutando num campeonato inexistente.