Fazia mais de três anos que não via nada de Howard Hawks. Tempo demais, tempo demais. “Gentlemen Prefer Blondes” chegou como um lembrete e tanto sobre ele ser um diretor versátil e, acima de tudo, muito competente. É interessante ver que a mesma pessoa que dirigiu faroestes, comédias e filmes Noir também é responsável por um musical como este; melhor ainda é ver que este musical é dos bons, talvez um dos melhores de todo o gênero. Ótimos números musicais, direção de primeira, uma historinha divertida vinda de quem já tem familiaridade com a comédia, atuações competentes e Marilyn Monroe se tornando Marilyn Monroe. Colocando dessa forma, parece bem mais que o suficiente para dar um bom resultado.
Dorothy Shaw (Jane Russell) e Lorelei Lee (Marilyn Monroe) são duas dançarinas profissionais, showgirls que se apresentam por todo o país e o mundo. Duas grandes amigas com uma diferença crucial: cada uma tem uma visão bem diferente de romance. Dorothy vai pelo clássico do homem alto, moreno, forte e bonito, já Lorelei acredita que o valor de um rapaz está no tamanho de sua carteira e em diamantes… Ah sim, diamantes, os melhores amigos de uma garota. As duas viajam para se apresentar em Paris, mas um navio cheio de homens ricos e sarados se coloca entre elas e seu destino.
Aqui se encontra Marilyn Monroe em plena ascensão, abrindo suas asas para cimentar a persona memorável associada à sua figura. Quem a viu em “All About Eve” em 1950, uma de suas primeiras aparições, pode perceber como evoluiu nesses três anos até chegar na a loira avassaladora de Hollywood em “Gentlemen Prefer Blondes”. Do que se viu no passado, apenas se conserva a ingenuidade e o estereótipo da loira burrinha, que consegue as coisas mais por charme e sorte do que usando a cabeça. Aqui ela encontra um lugar para demonstrar para quê veio: deixar o público estonteado com a energia que comanda quando tem as ferramentas certas. E há muito à sua disposição.
Começa por Jane Russell, para quem, ironicamente, Monroe serve mais de parceira do que o contrário. Em 1953, era Russell a grande estrela que ganhava mais e teve seu nome primeiro no pôster. O cenário inverteu com o tempo e Monroe cresceu para se tornar algo muito maior do que sua parceira jamais foi, então hoje pode ser estranho ver o foco dividido, diferente de outras obras que até fazem questão de destacar Monroe a todo custo, tipo “Some Like it Hot”. A dinâmica de protagonismo funciona em grupo, uma dupla presença de peso no palco derrubando queixos e despertando enfartes nos corações fracos desde o primeiro segundo literal de filme. “Two Little Girls from Little Rock” não é muito mais do que duas mulheres estonteantes descendo escadas sem pressa em um vestido vermelho brilhante com uma abertura estratégica na perna. É também muito mais do que isso, uma canção divertida que cativa e apresenta bem a carga de energia da dupla bombástica.
Melhor ainda é ver que elas possuem química para sustentar a posição de protagonismo juntas. Qualquer esforço menor de uma das partes causaria um desequilíbrio e essa seria considerada a coadjuvante ou, pior, o peso morto da relação. Claro que Marilyn Monroe é ridiculamente mais popular que Jane Russell hoje em dia, por isso é tão mais interessante elas conseguirem se manter equilibradas e, além disso, não é como se alguma das duas fosse conhecida por seu talento dramático sublime. Elas se completam de um jeito mais simples: uma loira para a morena, uma apaixonada para a materialista, uma esperta para a mais devagar, pernas compridas para um quadril largo, perfil esguio para outro mais voluptuoso. O título, “Gentlemen Prefer Blondes”, sugere o contrário, mas no fundo é como tudo na vida, uma questão de gosto. Havendo preferência ou não, as duas fazem um ótimo trabalho juntas, parecem amigas de fato e são escritas de forma que ambas a comédia e a música consigam aproveitar o melhor de suas qualidades.
Elas trabalham bem juntas e Howard Hawks trabalha bem com as duas. Há números pensados para uma dupla, dois pares de pernas chutando o ar, dois tipos de beleza e dois tipos de vozes, duas pessoas unidas. E há também espaço para cada uma brilhar em seu próprio show particular. Enquanto números como o primeiro e “When Love Goes Wrong, Nothing Goes Right” trabalham o talento das duas, “Gentlemen Prefer Blondes” vê sua fama perdurar em shows de uma mulher só. As pessoas lembram e relembram e homenageiam “Diamonds Are A Girl’s Best Friend” porque, bem, é até meio óbvio. É o número mais glamouroso, mais estilizado e de produção mais belamente complexa de todo o filme. Há um monte de coisas acontecendo ao mesmo tempo e a coreografia vai um tanto mais longe que as outras, além de estrelar Monroe num momento clássico seu, digno mesmo de fazer reputação e entrar para a história.
No entanto, não é como se “Ain’t There Anyone Here For Love?” estivesse muito atrás. Só perde por pouco em termos de produção, estando mais no nível o resto dos números, que, embora todos tragam excelentes canções, não fazem muito para revolucionar o gênero. Isso, por sua vez diz muito sobre a direção de Howard Hawks. Trata-se de um musical dos bons, melhor que a vasta maioria e competente o bastante para estar numa lista de melhores. Só não diria que é um grande feito seu atrás das câmeras. “Gentlemen Prefer Blondes” tem muitas qualidades e funciona perfeitamente bem com suas canções de qualidade e historinha simpática. Se fosse para apontar um defeito ou algo de menor destaque, seria a direção relativamente segura, que mais acompanha e registra do que dinamiza os números com movimentos de câmera e variação de tamanho de quadro. De forma alguma estraga tudo. Há mais que o suficiente para encher os olhos e os ouvidos aqui.