Eu provavelmente passaria minha vida sem ver esse filme se não fosse pelo acaso. Foi só porque um grupo de amigos escolheu esse como filme da vez, senão provavelmente teria permanecido perdido entre as infinitas categorias do Netflix. Nunca tinha ouvido falar de “O Bar”, uma produção espanhola de 2017 que não chamou tanta atenção quanto outras produções estrangeiras dos últimos anos. Talvez não ser nada imperdível ou particularmente muito bom tenha a ver com isso. Uma premissa que começa bem termina mal, a execução dela acabando com seu potencial.
É o dia mais normal de todos em Madri. Elena (Blanca Suárez) caminha pelas ruas falando no celular sobre seu encontro do dia quando fica sem bateria e entra num bar para tentar carregar um pouco antes de seguir em frente. O ambiente é especialmente comum, cada cliente se ocupando à sua maneira, seja trabalhando atento no laptop ou comendo alguma coisa e se distraindo, até que um tiro ressoa e uma pessoa cai morta à porta do estabelecimento. Não se sabe quem atirou nem o porquê, apenas que ninguém pode mais sair se não quiser se tornar mais uma vítima. Um grupo de estranhos é obrigado a cooperar para sobreviver a essa ameaça desconhecida.
O roteiro tem um conceito sólido em sua base. Vários bons dramas são, basicamente, pessoas diferentes dividindo um mesmo ambiente; um bom suspense seria colocar gente perigosa com objetivos conflitantes; e um bom terror seria apresentar uma ameaça sem saída aparente para os personagens. Outra idéia é ir para o lado do humor: quanto mais excêntricos os personagens, mais perto da comédia. “O Bar” escolhe esse caminho com toques de suspense e mistério na construção de sua história sobre gente presa num mesmo ambiente.
“O Bar” faz um bom trabalho na reunião de seus personagens e até na construção deles. Ir longe demais no quesito excentricidade poderia ser uma decisão tosca que chama atenção para si, exclamando como cada um é super esquisito e por isso criam situações inusitadas. Todavia, também não é definitivo porque tudo pode dar certo nas mãos certas, então por que não uma história imersa em insanidade? As decisões tomadas aqui são mais moderadas e trazem exemplos de pessoas relativamente normais com peculiaridades que não seriam estranhadas se encontradas numa pessoa conhecida, por exemplo. Um passa o tempo no computador, outro bebe seu café e lê o jornal, outros dois trabalham no bar e a garota está só de passagem. Só o morador de rua histérico pedindo por uma refeição chega mais perto de ser o elemento estranho. No geral, tudo normal o bastante.
Então se introduz um evento que tira todos de seus confortos: uma pessoa é baleada por um atirador invisível. E assim começa a versão de “Phone Booth” estrelando um grupo inteiro no lugar de Colin Farrell. Todos são reféns, sem poder sair do bar pelo risco de serem mortos. Ninguém sabe a motivação do ato, para onde foram todos na rua e por que não há nada na televisão sobre o evento. Um pouco de mistério servindo como uma camada extra ao enredo sobre desconfiança mútua e desinformação, sobre reações irracionais atrapalhando soluções práticas.
Até aí, “O Bar” vai bem. Não há do que reclamar de um desenvolvimento mais ou menos esperado e apropriado, com as peças nos lugares corretos na forma da complicação, dos jogadores e do cenário. A situação passa a piorar quando o tom mostra sinais de nem sempre estar ajustado. É uma sensação esquisita proveniente de interpretações que parecem não estar na mesma sintonia da história, embora estejam em sintonia entre si. Esquisito ver atores atuando bem o bastante e ao mesmo tempo não soar certo. Sinal de que a direção os levou por um caminho consistente e inapropriado ao mesmo tempo, tendendo fortemente para a comédia quando muitas vezes parecia que ser engraçado não parecia certo. Havia a possibilidade de focar ainda mais na comédia para sobrepujar o tom conflitante ou ajustar as interpretações para serem menos caricatas. Nem sempre é engraçado e ocasionalmente parecia fora de lugar.
Mas que não haja engano: “O Bar” é mais uma comédia do que qualquer outra coisa. O erro na administração deixa um gosto ruim ao longo do filme sem chegar a estragar. Se esse fosse o único problema, seria mais facilmente perdoável do que o último ato inteiro e a indefensável queda do filme em um grande clichê com direção de cena e escrita dignos de uma produção de baixo orçamento amadora. A coerência deixa de existir em favor da conveniência, outras coisas sequer se explicam e clichês fortes substituem cenas que pediam por um pouco mais de originalidade, só um pouco. Chega a ser revoltante como parece ser uma decisão por pura preguiça. Existem obras que conseguem fazer algo errado acontecer na pior hora e incrementar o suspense, esse é o lado ruim desse conceito, quando até os acidentes infelizes parecem forçados.
Se o herói conseguir acertar um tiro impossível no momento certo que salva toda a humanidade num instante parece forçado, eis a prova de que introduzir subitamente um erro, acidente ou infortúnio apenas para complicar mais a vida dos personagens pode ser tão perigoso quanto. “O Bar” se mostra decepcionante por frustrar a expectativa que ele mesmo cria com seu começo interessante, superando a indiferença inicial de quem nunca tinha ouvido falar dele e depois destruindo sua seqüência de acertos gradativamente até chegar num ato final bastante medíocre.