Fazia um bom tempo que não via esse. É provável que a última vez tenha sido em meados dos Anos 90, no VHS que até hoje deve estar bem conservadinho no armário do meu primo. Desde então, o azar fez com que o filme não passasse na televisão num dia calmo e nunca me deu vontade em particular de ir atrás para assistir. Foi só com o recente lançamento do encadernado com os três primeiros arcos do quadrinho original que meu interesse por “The Mask” se renovou. Claro que a primeira coisa a se pensar seria uma comparação. E quem diria que não seria absurdo dizer que a adaptação supera o original?
Stanley Ipkiss (Jim Carrey) é bancário e um grande perdedor, em suas próprias palavras. Odeia seu trabalho e seu chefe, mora num apartamento pequeno com uma vizinha insuportável e coleciona zero sucessos no amor. Com apenas seu cachorro Milo e seu colega de trabalho Charlie (Richard Jeni) aliviando um pouco, ainda restam poucas alegrias. Sua chance de dar a volta por cima chega de uma maneira inusitada e tanto quando o rapaz coloca as mãos numa estranha máscara de madeira e se transforma no insano Máskara, um ser com poderes ilimitados direto de um desenho animado. Agora Stanley Ipkiss já não é mais um perdedor e vai mostrar isso para o mundo em grande estilo.
A primeira e maior diferença entre filme e quadrinho é o protagonista. No primeiro, é Stanley Ipkiss; no segundo, é a própria máscara. Ipkiss também é o primeiro dono do artefato e se torna a primeira versão do anti-herói chamado Cabeção no gibi, mas dura apenas umas 50 páginas antes de ser morto e a máscara trocar de dono pela primeira de muitas vezes. A segunda grande mudança é o tom, que vai de um humor negro e ultraviolento para uma comédia insana mais tradicional no cinema. A terceira é que o protagonista aqui tem uma personalidade muito distante de sua contraparte calva e sociopata reprimida com um gosto por violência, passando a ser um rapaz muito mais simpático e um sofredor como qualquer outro cidadão. Com isso em mente, a intenção da produção por trás de “The Mask” foi de deixar o produto mais acessível ao mudar esses e outros detalhes, principalmente deixar a história em um molde mais tradicional e reconhecível pelo grande público.
É uma boa escolha? Na maior parte, sim. O que me atraiu ao quadrinho além da curiosidade crua foi o fato de haver muito mais violência, tudo num estilo cômico e de teor absurdo como é de praxe de um personagem insano. Isso me fez tentar resgatar minhas memórias sobre “The Mask”: encontrei poucas e algumas cenas que nem existem. Só era certo que a experiência era inofensiva e sem sangue, sendo apenas humor sem um lado obscuro. Tirando isso, a trilogia de histórias originais traz poucos truques novos e às vezes cai na rotina de comédia pela comédia, gracinha pela gracinha, faltando uma história de fato por trás de uma máscara passando de hospedeiro em hospedeiro. O bom é que a adaptação traz exatamente isso.
Foi um choque e tanto descobrir que Stanley Ipkiss não era mais que um coadjuvante no material original. Aqui, seu papel dá a oportunidade para Jim Carrey começar a mostrar os trejeitos que fariam seu nome no futuro. Os gestos exagerados e as pronúncias excêntricas que o colocam como um ponto bem fora da curva aparecem em “The Mask” de forma quase metafórica, como algo escondido que subitamente se manifesta da mesma forma que a persona louca surge em Stanley quando ele vesta a máscara. Até então, não havia uma reputação tão grande por trás do ator. Um começo sutil para os padrões de Carrey, estrambólico sem chegar a ser superlativo como alguns de seus papéis mais intensos. Encaixa como uma luva. O ator torna a história da contraparte humana no mínimo tolerável, para não cometer o erro do exagero oposto e dizer que é grande coisa. Uma base é uma base e às vezes é melhor uma simples do que nenhuma.
O lado negativo é que às vezes parece mesmo que “The Mask” poderia usar um pouquinho mais de conteúdo adulto, violento, politicamente incorreto, entre outros, para não parece que está se contendo tanto para conseguir uma classificação livre. Às vezes é um pouco incômodo ver as convenções clássicas hollywoodianas adaptando o caos do gibi em algo familiar como vilões bem definidos, um herói admirável, o par romântico e alguns clichês menores. Em último caso, os efeitos especiais também podem incomodar os olhos mais sensíveis, preocupados em buscar equivalência com os padrões de hoje e criticar conteúdo pelo lado técnico. Não há como comparar mesmo. Entretanto, a maioria não me incomodou porque, bem, os poderes do Máskara são os mesmos de um desenho animado com zero preocupações com fidedignidade. A idéia é ser cômico, escrachado e absurdo e é isso que os efeitos conseguem.
“The Mask” cumpre sua tarefa de ser bom entretenimento acima de tudo, uma adaptação às vezes conservadora nas suas decisões e funcional na maior parte do tempo, uma que usa a essência da história em quadrinhos e a apresenta sob outra face. Particularmente, é mais satisfatório ver uma longa seqüência com o protagonista contagiando dúzias de policiais em um número de mambo pastelão no meio da rua do que um visual maluco ilustrado em página inteira com algum bordão que em breve será substituído por outra coisa. Um deles é divertido de acompanhar por mais tempo, além de engraçado e mais dinâmico. Ah sim, como esquecer da melhor invenção do filme? Milo, o Jack Russel Terrier de Stanley, é um coadjuvante importante e mais carismático que qualquer um que encontrei no gibi. Um cachorro que além de ser um cachorro é incrivelmente amável como os melhores personagens caninos do cinema.