“Bombshell” parecia promissor pelos trailers. As cenas selecionadas sugeriam a intensidade da rotina de um jornalista sempre lidando com o próximo grande furo e, ainda por cima, com uma questão de comportamento sexualmente inapropriado vindo de cima. Parece mais que o bastante para render um longa-metragem, seja pela extensão ou pelo caráter substancial da trama sobre uma cultura organizacional conivente com abuso e sobre as mulheres que se colocaram contra isso. Aqui é possível ver como uma produção de cinema pode facilmente dar errado, o potencial de antes murchar e o impacto não ser mais o mesmo.
A corrida presidencial americana de 2016 reúne candidatos e imprensa em um mesmo lugar para debates sobre as perspectivas de futuro no governo. Megyn Kelly (Charlize Theron) entrevista Donald Trump frente a frente e decide confrontar suas visões e declarações sobre mulheres, o que inflama a ira dos espectadores da Fox News contra ela. Ao mesmo tempo, Gretchen Carlson (Nicole Kidman) vê seu espaço dentro da emissora ficar menor a cada dia até culminar em sua demissão e em um processo de assédio sexual contra Roger Ailes (John Lithgow), o manda-chuva de toda a parte de notícias.
A estratégia de “Bombshell” foi inteligente na construção de seu trailer: as cenas deixam claro o tema principal do enredo e despertam o interesse ao sugerir que há uma profundidade narrativa em histórias paralelas, além de um ritmo dinâmico derivado do fluxo insano de notícias todos os dias. “His Girl Friday” faz algo parecido ao incorporar essa rotina frenética nas performances do elenco para efeito cômico, usando isso para concretizar seu conceito de ser uma comédia sem nenhum tipo de pretensão de comentário social sério. O conceito aqui é diferente, praticamente oposto em alguns pontos por supostamente manter a intensidade com apenas um toque de humor ácido e a tendência clara de tecer uma crítica aberta à cultura do assédio institucionalizado.
Assim, foi uma surpresa ver que a recepção crítica e do grande público foi longe de entusiasmada. Até pareceu por um momento que “Bombshell” seria um dos grandes destaques do Oscar 2020. O Globo de Ouro o indicou em duas categorias, Margot Robbie e Charlize Theron como coadjuvante e atriz principal, e o Oscar repetiu essas duas e adicionou mais uma, Melhor Maquiagem e Penteado. Esse último foi a única vitória. A simplicidade aparente dessa área esconde um acerto sutil e fidedigno daquilo que se chama de penteado Fox News, um estilo de cabelo que faz a pessoa bater o olho e identificar automaticamente qual é o canal. Difícil para um espectador brasileiro dizer se procede ou não, apenas dá para dizer que o cabelo torna as atrizes parecidas com suas contrapartes como a maquiagem tenta e consegue, no mínimo, deixar Charlize Theron diferente. É estranho olhar para ela e não a reconhecer imediatamente, parece que tem alguma coisa errada com seu rosto porque, bem, algo não encaixa na imagem que se tem dela normalmente.
Se há uma coisa certa, é que a apresentação de “Bombshell” é certeira, desde as prévias até a primeira impressão de olhar para os ambientes e para as apresentadoras no figurino que denuncia imediatamente seus trabalhos. O elenco também não é de se ignorar. As escolhas por si já chamam a atenção com Nicole Kidman, Margot Robbie, Charlize Theron, Kate McKinnon e John Lithgow, atores de renome e competência demonstrada em mais de uma ocasião. Nenhum decepciona. Nem todos brilham, também. Ironicamente, diria que é Lithgow é um destaque por atribuir profundidade ao personagem que nasceu antagonista, o mais indefensável e causador de todo o escândalo que dá nome ao filme. Justo quando é mais inesperado, é quase possível sentir um pouco de pena de seu personagem porque o ator exprime o nível de tormenta de um homem que percebe o telhado caindo sobre si, quão baixo ele chegou.
Outro destaque menor é McKinnon interpretando uma coadjuvante que faz amizade com a personagem de Robbie. Sua participação curta compõe a parte boa de um roteiro que falha em fazer jus à profundidade que aparentava ter inicialmente. Ela ajuda a desenvolver o ponto sobre a filosofia e a realidade da Fox News como empresa, as coisas que todos sabem e aquelas que só se descobrem trabalhando lá. Quanto às outras interpretações, sinto que ainda falta alguma coisa para diferenciá-las de uma atuação meramente boa. A falta de foco e, conseqüentemente, de profundidade de ter três tramas paralelas e nunca se aprofundar tanto em nenhuma certamente prejudica a impressão que se tem das atrizes principais. “Bombshell” começa abordando as visões de Trump sobre a mídia e as mulheres, tirando um tempo para criticá-lo diretamente e depois mostrar as conseqüências de seus chiliques online. Depois entra a questão do desrespeito contra a mulher dentro do ambiente de trabalho, como isso é praticamente dado e ainda chega em nível de impedir avanços de carreira. E por fim há a personagem novata querendo crescer dentro do emprego e encontrando um ambiente predatório.
É bastante conteúdo em jogo e, como dito, mais do que o bastante para preencher um longa-metragem. Talvez até demais. Para piorar, a direção de Jay Roach ainda conduz a obra para o caminho infeliz da leviandade. Se superficialidade pode ser atribuído a uma falta de foco ou de desenvolvimento por parte do roteiro, é responsabilidade da direção atribuir valor e peso às cenas disponíveis, ou seja, fazer o melhor com o que se tem. “Bombshell” comete seu erro mais crítico aqui por não saber demonstrar a gravidade dos conflitos e explorar o drama quando ele se apresenta. Também não chegaria a dizer que faz o completo oposto e deixa tudo leve como numa comédia, a tal leveza é apenas uma falta de sensibilidade com o assunto. A história é tratada de maneira quase processual, em seqüência e sem impacto nem mesmo em cenas que deveriam ser a epítome do conflito central. Começa e acaba sem que haja um investimento emocional por parte do espectador.