De quem foi a idéia de fazer um filme do Sonic? Certamente não foi uma pessoa que dá os melhores palpites para novas produções. É difícil imaginar a existência de uma demanda pelo filme, de pessoas achando que, sim, havia uma boa história para o cinema nos jogos de um ouriço azul e seus amigos: a raposa bege de duas caudas, a equidna vermelha com espinhos nos punhos e a ouriço cor-de-rosa que se acha namorada de Sonic. É mais estranho porque o auge desses jogos começou e acabou rápido, entre os Anos 90 e o começo dos Anos 2000, com uma seqüência de jogos mal recebidos vindo depois e deixando os jogadores com as lembranças boas passado. E mesmo nos jogos a história nunca foi grande coisa: um grupo de amigos animais coloridos luta coleta moedas douradas e esmeraldas para deter os planos de um cientista maluco que aprisiona outros animais fofinhos dentro de suas máquinas. Faz pouco sentido adaptar isso em um tempo que não se fala tanto de Sonic quanto antes.
Não surpreendentemente, a história é mais ou menos o que se espera. Sonic é um ouriço azul com a habilidade incrível de correr muito rápido, algo que o faz ser um alvo para aqueles mal-intencionados, desejando o usar para o mal. Isso força o ouriço ainda jovem a fugir para outro mundo em que possa permanecer escondido, viver em segredo absoluto para evitar qualquer tipo de perigo. Mas enfim chega o dia em que Sonic perde a paciência com sua vida solitária e acaba cometendo um deslize grave que anuncia sua presença para o mundo. Com o sinistro Doutor Robotnik (Jim Carrey) seguindo seu rastro, ele vai precisar da ajuda do xerife da cidade de Green Hills, Tom Wachowski (James Marsden), para derrotar o vilão.
Com todos os empecilhos indo contra o projeto, imagina-se que não houve fila de pessoas querendo financiar o projeto. A consequência engraçada disso é a quantidade de inserção de marcas nada sutil no filme, indo bem além do que se costuma ver, como por exemplo na vodka que James Bond bebe ou no relógio que usa. Chega a ser engraçado porque é totalmente descarado a nível de um personagem ter planos de mudar de cidade e no meio de um diálogo falar que achou apartamentos no Zillow, sem contar o próprio Sonic falando sobre os drones assassinos de Robotnik e fazer piada sobre a Amazon entregar seus pacotes com isso. Bem, isso tem algo a dizer sobre o humor do filme, que não é dos mais refinados e aparentemente nem tenta ser algo mais do que compreensível pelo público infantil e seu filtro mais tolerante.
E é isso que “Sonic the Hedgehog” é mesmo: um filme infantil. Nem se tenta esconder qual o público alvo, pois o próprio marketing agressivo é algo que passa batido com o público infantil, por exemplo. A evidência mais clara é a própria história e seu caráter irreal: um ouriço azul que corre rápido como o vento entre humanos. Como diabos isso funciona? A idéia inicial — e genial, por sinal — foi fazer o personagem mais antropomorfo, realista nas proporções e nas características físicas como a boca, os dentes, os olhos, o pêlo e o formato do corpo. O resto já se sabe bem: o universo deu sua resposta unânime de que era uma grande porcaria. E então veio o anúncio de que o filme seria adiado para o personagem ser refeito. A aberração humanóide de antes não fazia muito para tornar a história mais crível, pois ainda era uma versão animal azul do Flash, então por que não jogar tudo para cima e o deixar mais parecido com o visual clássico?
Finalmente uma idéia boa. Uma idéia boa de 5 milhões de dólares, mas esse é o preço de más escolhas. A história ao menos fica um pouco mais aproveitável com o personagem mais parecido e funciona com a mesma quantidade de suspensão de descrença do que precisaria antes. Também não é como se “Sonic the Hedgehog” tomasse algum cuidado para tornar crível o conceito de um personagem de videogame no mundo real. Quando Sonic de roupão e toalha existe, o termo e qualquer coisa próxima disso deixa de existir.
Ser infantil não é problema. Ou não deveria ser. “Sonic the Hedgehog” peca por não ser tão bom quanto o ego do ouriço acredita ser. Muitas das piadas são fracas e algumas cenas engraçadinhas parecem mais produto de um desenho animado com atores reais. Raramente funciona bem e às vezes só funciona o bastante para não ser criticado, longe do que “Mary Poppins” faz em sua mistura com desenho animado de fato. O melhor da obra é a única coisa que parecia previsível desde o começo da divulgação: Jim Carrey como o Doutor Robotnik. Nos jogos, o personagem é um careca redondo com bigode espetado um nariz rosado que quer dominar o mundo. Longe da normalidade e um papel perfeito para um ator adepto do exagero, ele acaba sendo o elemento mais consistente de uma obra que nem sempre acerta em sua mistura de vida real com jogos. As piadas dele são boas e Carrey é convincente, por assim dizer, como um vilão de videogame, totalmente maluco e cheio de maneirismos bizarros da mesma fonte de onde saiu o torcer de bigode.
Isso resume boa parte de “Sonic the Hedgehog”: um desenho animado bobinho, de engenhosidade modesta e funcional para o público mais jovem. Para os mais velhos, sua maior conquista é prestar uma homenagem respeitável ao personagem como ele é, inclusive usando referências bem aplicadas para resgatar alguns momentos marcantes dos jogos. É bem melhor que o esperado, para falar a verdade. O único momento imperdoavelmente besta é no clímax melodramático de quinta categoria. Outros exemplos fracos são um pouco menos criminosos e mais fáceis de perdoar, embora também não ajudem a obra a ser melhor. Considerando a idéia original e a produção conturbada, era de se esperar algo bem pior.