Essa é a sétima adaptação do livro “Little Women” para o cinema. Sim. Quem achava que “Les Misèrables” e “The Great Gatsby” foram adaptados vezes demais se surpreenderá dessa vez. Foi esse um dos comentários recentes sobre a obra e seu apelo reduzido por já não ser novidade. Depois da sensacional estréia de Greta Gerwig como diretora em “Lady Bird“, um filme parcialmente inspirado nas vivências da juventude da cineasta, seu próximo passo foi adaptar um clássico da literatura americana já visto outras seis vezes no cinema, com uma das versões sendo do ano anterior. Não parece uma escolha das mais admiráveis. Talvez uma indulgência da artista em escolher um livro favorito como próximo trabalho? Seja qual for a resposta, tendo referência as outras adaptações ou não, esta mais recente se apresenta como o indicado menos memorável ao Oscar 2020.
A Guerra da Secessão irrompe no país. Os homens saem de suas casas e abandonam suas famílias para cumprir seu dever para com a pátria, defendendo seus interesses com sangue e suor. O mesmo acontece na casa da família March. O pai deixa a mulher e suas quatro filhas para trás, as quais tentam sobreviver numa sociedade que não oferece muitas oportunidades para mulheres crescerem. Ironicamente, isso é o que cada uma das quatro irmãs quer. Jo (Saoirse Ronan), Amy (Florence Pugh), Beth (Eliza Scanlen) e Meg (Emma Watson) lutam contra o imposto compromisso delas com o amor enquanto tentam se tornar donas de suas próprias vidas.
Há razão nos comentários sobre a narrativa de “Little Women”. É um tanto confusa, de fato. Depois de um tempo tudo fica claro e dois períodos se apresentam como os principais: durante a guerra e depois da guerra — 1861 e 1868, sendo mais específico. Acompanha-se a vida das mulheres March enquanto elas tentam sobreviver sem o marido dentro de casa, primeiro com ele lutando na guerra e depois com ele se recuperando de seus ferimentos. Ao contrário das outras versões, a cronologia não é linear e salta constantemente entre os dois períodos. Seriam flashbacks ou flashforwards? Há tanto vai e volta que não dá para saber exatamente qual levar como referência. O começo é especialmente complicado para quem não conhecia a história de antemão porque não se sabe quem são os personagens, muito menos qual sua relação e se ela mudou de alguma forma com o passar do tempo. Se sim, a forma e os motivos também entram para adicionar à montanha crescente de dúvidas iniciais.
A mudança provavelmente funciona melhor para quem já assistiu às outras adaptações ou leu o livro, pois passa a ser uma forma diferente de encarar uma mesma coisa. Se eu tivesse visto a mesma história seis vezes, talvez também preferiria ver algum tipo de variação numa sétima, talvez algo melhor do que a mal-recebida idéia de transferir a trama para um contexto moderno como em 2018. Felizmente, “Little Women” não comete o pecado crasso de deixar a confusão inicial perdurar até o fim e não preencher as lacunas abertas a respeito das relações e de o quê acontece e quando. A pior coisa seria sentir que algum ponto não faz sentido, foi mal explicado ou, pior, incoerente. Não se chega tão longe na tal confusão narrativa.
Isso também não quer dizer que a dinâmica variante pretendida funcione, ou seja, que ficar indo e voltando na cronologia é um artifício proveitoso. Ele normalmente é empregado para dinamizar uma narrativa através de interrupções estratégicas com diversos fins. O mais óbvio é entrecortar para mostrar que dois ou mais eventos acontecem ao mesmo tempo, outra função é cortar no ápice da cena para deixar o espectador ansioso para descobrir o que estava para acontecer enquanto acompanha outro evento que também pode despertar seu interesse. É como um jogo de provocação gradualmente mais ousado, um mistério se revelando a cada novo corte. Aqui não funciona tão bem quanto poderia. A consequência se encontra no cansaço que por vezes pragueja “Little Women”. Ironicamente, o conteúdo sem ação e cotidiano aparentemente se beneficiaria de maior dinâmica em sua narrativa, porém é essa calmaria dominante que falha em fornecer oportunidades para despertar a ansiedade pelo que vem a seguir.
Falando dessa forma, até parece que “Little Women” é um filme medíocre ou de impacto majoritariamente negativo, o que não é verdade. Sim, a escolha de narrativa é prejudicial e alimenta o clichê de que dramas românticos históricos são chatos e lentos de acompanhar, o que não desmerece outras conquistas da obra. Todas as atuações trazem a marca de uma direção consciente da importância do elenco na construção de uma história. Greta Gerwig repete o acerto que teve em “Lady Bird” ao dirigir seus atores e os tornar uma parte maior e mais importante que sua função óbvia. É o que se chama de uma relação diretor-ator sofisticada. Gerwig se junta a Saoirse Ronan em outra parceria frutífera e também com uma equipe inteira de pequenas mulheres em grandes papéis. Mesmo os arcos mais simples, por assim dizer, em que nada de muito fantástico acontece, são respeitados e erguidos pelas interpretações igualmente dedicadas do elenco, que como um conjunto exala investimento pessoal e emocional.
Além do mais, não se pode reclamar do conteúdo da história. A forma como ela é contada foi criticada, sim, ao passo que o enredo concreto, os eventos que levam as garotas de um ponto no começo até outro ponto no final, não sofre dos mesmos problemas. “Little Women” conta uma história — ou várias delas — que, descrita superficialmente, soa como algo batido atualmente: mulheres buscando espaço num mundo feito para homens, lutando para obter sucesso contra chances reduzidas. Só não se pode esquecer que ela foi escrita há mais de 150 anos e, bem, não é um mau exemplo do gênero. Se talvez a jornada fosse um pouco menos acidentada, talvez o sucesso fosse maior.